O dia mais lono da viagem: traçar uma linha o mais recta possível entre Alcoutim e o Chão da Velha, para me levar do Parque Natural do Guadiana ao Parque Natural da Serra de São Mamede.
Mal o sol começou a subir, também eu subi a encosta de terra batida que liga a Pousada da Juventude de Alcoutim ao Castelo Velho. Um pouco de emoção e a terra a aparecer nos espelho da mota, um nuvem que sobe no ar e me faz sonhar com outras paragens e outros andamentos.
Alcançada a N265, encontrei um parceiro que quis medir o musculo da Royal Enfield. Estrada fora, com o patim a roçar muitas vezes o asfalto nas curvas para Mértola, o motor 400 e a ciclistica não me deixaram ficar nada mal perante uma 750 bem mais vocacionada para o asfalto. Cumprimentamo-nos no semáforo da ponte de Mértola e ele seguiu a sua viagem até Lisboa e eu tinha o azimute para Vila Verde de Ficalho.
As azinheiras e o Guadiana ficaram para trás e, empurrado pelo suão quente, chegava a Vila Verde de Ficalho para, de seguida, continuar para norte em direcção a Safara e Barrancos, Entretanto cantarolava:
Subi à serra da adiça
E só parei no talefe
A lua alegre e roliça
Aumentava o tefe tefe
Levei a saca de estopa
Preparado para caçar
Faço dela a minha roupa
Se o frio da noite apertar
O teu coração parece
Uma pedra sem destino
Dizem que só amolece
Ao canto de um gambozino
Uns dizem que é fugidio
Os outros que é de má raça
Tenho de ter algum brio
Para não espantar a caça
Assim me fiz caçador
Sem espingarda nem "piloto"
Para ter o teu amor
Para te cair no goto
As coisas que a gente faz
A dar vazão ao que sente
Já pensava em vir pra trás
Sai-me um vulto pela frente
Abri a boca da saca
Fechei os olhos ao medo
A tua mão não me escapa
Não é tarde nem é cedo
E entrei no Alentejo das grandes planícies, do montado, do touro e do cavalo. Os ares de Espanha, a raia, o contrabando. Fui a Barrancos levado pelo sabor do presunto mas com o calor a apertar (e muito!), fui aconselhado a não levar a bela viola de porco preto na moto.
Então, sem presunto, continuei para norte, cruzei a fronteira e fui até Olivenza ver as nossas propriedades emprestadas ao Rei de Espanha e, com a larica de quem já andava em viagem há horas, voltei a enrolar o punho até à Ponte de Ajuda e segui em direcção a Elvas e ao El Cristo.
Um barco de mariscos era para duas pessoas e eu tive vergonha de pedir um só para mim. Eram camarões, santola, percebes, e muito mais coisas perfeitamente ordenados numa espécie de traineira que nunca viajou pelo Guadiana. Dada a vergonha, pedi quase tudo o que vinha no barco.. mas separadamente! Foi um almoço que domorou horas e soube muito bem.
Em criança fui muitas vezes a Elvas, terra de "contrabandista de amor e saudade", e foi bom ver como a cidade evoluí. O imponente aqueduto foi o cenário perfeito para a foto.
Sem mais demoras, fui para o Parque Natural de São Mamede. A terra branca tornou-se escura e a paisagem mudou depois de Alegre. O pinheiro, o carvalho e o castanheiro dominam a paisagem do ponto mais alto do sul de Portugal. Do alto de S.Mamede vi Portalegre e o Marvão, o destino seguinte.
Mas a grande supresa veio na estrada de Marvão para o Chão da Velha, passando por Nisa, como é obvio. Em vez de seguir por Castelo de Vide e a judiaria, fiz-me ao caminho por uma estrada de gado.
O sol estava a desaparecer no horizonte e pude ver centenas de aves, cavalos, um boi que me impunha muito respeito - e, quando o ultrapassei, percebi que o pobre animal tinha apenas medo de mim - e dois veados. Um bebé e outro ainda jovem mas de grande porte.
Senti-me agradecido e não consegui evitar uma lágrima a escorrer pelo rosto.
Não tirei foto; não cosegui. Está gravado na memória.
Mal o sol começou a subir, também eu subi a encosta de terra batida que liga a Pousada da Juventude de Alcoutim ao Castelo Velho. Um pouco de emoção e a terra a aparecer nos espelho da mota, um nuvem que sobe no ar e me faz sonhar com outras paragens e outros andamentos.
Alcançada a N265, encontrei um parceiro que quis medir o musculo da Royal Enfield. Estrada fora, com o patim a roçar muitas vezes o asfalto nas curvas para Mértola, o motor 400 e a ciclistica não me deixaram ficar nada mal perante uma 750 bem mais vocacionada para o asfalto. Cumprimentamo-nos no semáforo da ponte de Mértola e ele seguiu a sua viagem até Lisboa e eu tinha o azimute para Vila Verde de Ficalho.
As azinheiras e o Guadiana ficaram para trás e, empurrado pelo suão quente, chegava a Vila Verde de Ficalho para, de seguida, continuar para norte em direcção a Safara e Barrancos, Entretanto cantarolava:
Subi à serra da adiça
E só parei no talefe
A lua alegre e roliça
Aumentava o tefe tefe
Levei a saca de estopa
Preparado para caçar
Faço dela a minha roupa
Se o frio da noite apertar
O teu coração parece
Uma pedra sem destino
Dizem que só amolece
Ao canto de um gambozino
Uns dizem que é fugidio
Os outros que é de má raça
Tenho de ter algum brio
Para não espantar a caça
Assim me fiz caçador
Sem espingarda nem "piloto"
Para ter o teu amor
Para te cair no goto
As coisas que a gente faz
A dar vazão ao que sente
Já pensava em vir pra trás
Sai-me um vulto pela frente
Abri a boca da saca
Fechei os olhos ao medo
A tua mão não me escapa
Não é tarde nem é cedo
E entrei no Alentejo das grandes planícies, do montado, do touro e do cavalo. Os ares de Espanha, a raia, o contrabando. Fui a Barrancos levado pelo sabor do presunto mas com o calor a apertar (e muito!), fui aconselhado a não levar a bela viola de porco preto na moto.
Então, sem presunto, continuei para norte, cruzei a fronteira e fui até Olivenza ver as nossas propriedades emprestadas ao Rei de Espanha e, com a larica de quem já andava em viagem há horas, voltei a enrolar o punho até à Ponte de Ajuda e segui em direcção a Elvas e ao El Cristo.
Um barco de mariscos era para duas pessoas e eu tive vergonha de pedir um só para mim. Eram camarões, santola, percebes, e muito mais coisas perfeitamente ordenados numa espécie de traineira que nunca viajou pelo Guadiana. Dada a vergonha, pedi quase tudo o que vinha no barco.. mas separadamente! Foi um almoço que domorou horas e soube muito bem.
Em criança fui muitas vezes a Elvas, terra de "contrabandista de amor e saudade", e foi bom ver como a cidade evoluí. O imponente aqueduto foi o cenário perfeito para a foto.
Sem mais demoras, fui para o Parque Natural de São Mamede. A terra branca tornou-se escura e a paisagem mudou depois de Alegre. O pinheiro, o carvalho e o castanheiro dominam a paisagem do ponto mais alto do sul de Portugal. Do alto de S.Mamede vi Portalegre e o Marvão, o destino seguinte.
Mas a grande supresa veio na estrada de Marvão para o Chão da Velha, passando por Nisa, como é obvio. Em vez de seguir por Castelo de Vide e a judiaria, fiz-me ao caminho por uma estrada de gado.
O sol estava a desaparecer no horizonte e pude ver centenas de aves, cavalos, um boi que me impunha muito respeito - e, quando o ultrapassei, percebi que o pobre animal tinha apenas medo de mim - e dois veados. Um bebé e outro ainda jovem mas de grande porte.
Senti-me agradecido e não consegui evitar uma lágrima a escorrer pelo rosto.
Não tirei foto; não cosegui. Está gravado na memória.