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terça-feira, 6 de agosto de 2019

31.7.19 - Alcoutim | Vila Verde de Ficalho | Barrancos | Olivenza | Elvas | Alegrete | S.Mamede | Marvão | Chão da Velha

O dia mais lono da viagem: traçar uma linha o mais recta possível entre Alcoutim e o Chão da Velha, para me levar do Parque Natural do Guadiana ao Parque Natural da Serra de São Mamede.
Mal o sol começou a subir, também eu subi a encosta de terra batida que liga a Pousada da Juventude de Alcoutim ao Castelo Velho. Um pouco de emoção e a terra a aparecer nos espelho da mota, um nuvem que sobe no ar e me faz sonhar com outras paragens e outros andamentos.
Alcançada a N265, encontrei um parceiro que quis medir o musculo da Royal Enfield. Estrada fora, com o patim a roçar muitas vezes o asfalto nas curvas para Mértola, o motor 400 e a ciclistica não me deixaram ficar nada mal perante uma 750 bem mais vocacionada para o asfalto. Cumprimentamo-nos no semáforo da ponte de Mértola e ele seguiu a sua viagem até Lisboa e eu tinha o azimute para Vila Verde de Ficalho.
As azinheiras e o Guadiana ficaram para trás e, empurrado pelo suão quente, chegava a Vila Verde de Ficalho para, de seguida, continuar para norte em direcção a Safara e Barrancos, Entretanto cantarolava:

Subi à serra da adiça
E só parei no talefe
A lua alegre e roliça
Aumentava o tefe tefe
Levei a saca de estopa
Preparado para caçar
Faço dela a minha roupa
Se o frio da noite apertar
O teu coração parece
Uma pedra sem destino
Dizem que só amolece
Ao canto de um gambozino
Uns dizem que é fugidio
Os outros que é de má raça
Tenho de ter algum brio
Para não espantar a caça

Assim me fiz caçador
Sem espingarda nem "piloto"
Para ter o teu amor
Para te cair no goto

As coisas que a gente faz
A dar vazão ao que sente
Já pensava em vir pra trás
Sai-me um vulto pela frente
Abri a boca da saca
Fechei os olhos ao medo
A tua mão não me escapa
Não é tarde nem é cedo

E entrei no Alentejo das grandes planícies, do montado, do touro e do cavalo. Os ares de Espanha, a raia, o contrabando. Fui a Barrancos levado pelo sabor do presunto mas com o calor a apertar (e muito!), fui aconselhado a não levar a bela viola de porco preto na moto.
Então, sem presunto, continuei para norte, cruzei a fronteira e fui até Olivenza ver as nossas propriedades emprestadas ao Rei de Espanha e, com a larica de quem já andava em viagem há horas, voltei a enrolar o punho até à Ponte de Ajuda e segui em direcção a Elvas e ao El Cristo.
Um barco de mariscos era para duas pessoas e eu tive vergonha de pedir um só para mim. Eram camarões, santola, percebes, e muito mais coisas perfeitamente ordenados numa espécie de traineira que nunca viajou pelo Guadiana. Dada a vergonha, pedi quase tudo o que vinha no barco.. mas separadamente! Foi um almoço que domorou horas e soube muito bem.
Em criança fui muitas vezes a Elvas, terra de "contrabandista de amor e saudade", e foi bom ver como a cidade evoluí. O imponente aqueduto foi o cenário perfeito para a foto.
Sem mais demoras, fui para o Parque Natural de São Mamede. A terra branca tornou-se escura e a paisagem mudou depois de Alegre. O pinheiro, o carvalho e o castanheiro dominam a paisagem do ponto mais alto do sul de Portugal. Do alto de S.Mamede vi Portalegre e o Marvão, o destino seguinte.
Mas a grande supresa veio na estrada de Marvão para o Chão da Velha, passando por Nisa, como é obvio. Em vez de seguir por Castelo de Vide e a judiaria, fiz-me ao caminho por uma estrada de gado.
O sol estava a desaparecer no horizonte e pude ver centenas de aves, cavalos, um boi que me impunha muito respeito - e, quando o ultrapassei, percebi que o pobre animal tinha apenas medo de mim - e dois veados. Um bebé e outro ainda jovem mas de grande porte.
Senti-me agradecido e não consegui evitar uma lágrima a escorrer pelo rosto.
Não tirei foto; não cosegui. Está gravado na memória.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

14.5.19 | 21.5.19 Road to Terra do Café

Doce!
Esta é a melhor palavra para descrever a ilha de São Tomé, lá no meio do Atlântico, com uma pontinha sobre a linha do Equador. Doce! Assim mesmo com um ponto de exclamação – logo eu que não sou nada de exclamações, nem na vida nem no género literário porque dá a ideia que se fala aos berros ou que nos espantamos com o nosso próprio pensamento -, porque S.Tomé é um pasmo de boa onda.
Doce na palavra das crianças, aos milhares desde a Cidade, às Roças ou às praias que, com um sorriso infinito e cheio de bondade, desejam apenas um miminho: pode ser um rebuçado, pode ser um beijinho ou um five. São crianças ternurentas que se tornam adultos dóceis, educados, que pedem licença antes de falar, que abrem as portas de casa e dos corações.
“ - Senhor senhor! Da próxima vez que vier cá pode-me trazer uma texas, para poder jogar mais rápido? Para jogar como no monopólio…”
Trago sim, respondi eu sem saber a quê; e de repente abre um saco de plástico que se escondia debaixo do sovaco, onde guardava o seu bem mais precioso: umas velhas chuteiras.
“ – Não precisam de ser tão boas como estas”, respondeu-me o rapaz, à saída da Roça Diogo Vaz, quando decidi ir para norte e percorrer toda a Nacional 1, até não poder mais, até depois de Ponta Furada.
A Estrada Nacional 1 sai da Cidade de São Tomé e segue em direcção a norte e, depois, acompanha a ilha entre o verde da floresta e o azul do mar, para oeste. Vilas e aldeias estão semeadas entre crateras no asfalto, povoadas por crianças e adultos, motos, monovolumes amarelos com cordas a segurar a tampa da mala à base da escova do limpa-para-brisas, porcos e leitões, galinhas e pintainhos, igrejas de todo o tipo e credo. É assim na Nacional 1 e, salvo os buracos que felizmente só aqui se encontram, em todas as outras estradas, asfaltadas ou em pedra e terra batida.
A particularidade desta estrada, depois de ser passar em locais tão belos como as praias de Tamarindos, Conchas, a Lagoa Azul; depois de se parar em Neves para saborear uma santola e uma Rosema fresquinha, num primeiro andar de uma velha casa com mesas numa varanda que ladeia uma escada e onde se escuta toda a vizinhança, lá em baixo; depois de Lemba, deixa-se o mar e entra-se na floresta.
O sol desaparece por baixo da folhagem e onde antes havia asfalto existe erva um pouco menor que a que ocupa todo o resto do espaço. um abismo também é doce.
Os barulhos são outros, a cor, a humidade, um constante gotejar que parece ser chuva mas é a condensação. Em Ponta Furada, um homem com uma camisola do Benfica – são aos milhares aqui! – espantou-se por ver um carro, tão longe de tudo. Quilómetros mais à frente, não conseguia prosseguir mais e dei a volta. Esta sensação de caminhar para
Doce foi a conversa do Luís Fernando – os nomes são, maioritariamente, portugueses, vincando bem a origem cristã das nossas descobertas e do movimento colonizador de São Tomé, as “Ilhas do Fim-do-Mundo” -, um morador da Roça de Monte Café que fez questão de explicar todo o processo de transformação do café, desde a colheita à torragem. Conheci a escola, a sanzala, o outrora hospital da Roça. Hoje é quase tudo habitação e escola porque as crianças são imensas e todas vão à escola; há palavras de ordem escritas nas fachadas como a educação ser a melhor arma para enfrentar o mundo.
Monte Café fica na Nacional 3, que sai da Cidade e vai para o centro do território. A estrada é soberba, de asfalto novo, liso, uma rampa onde o meu amigo Pedro Salvador brilharia e onde o meu pequeno Suzuki Jimny começou a perder a gaguez e a mostrar-se um grande meio de transporte.
Da Roça do Monte Café há uma picada para por Novo Destino e Pentecostes que leva à nascente do Rio do Ouro e à Roça Agostinho Neto. Mas ao invés disso, continuei até Sodade, no caminho para S.Nicolau.
Saudade é a Roça do pai do Almada Negreiros e é com esforço que os habitantes tentam reunir um acervo do artista para aumentar a importância da Roça. Será que a Roça foi importante para o trabalho de Almada?! Certamente foi. E a Fundação Gulbenkian, que tantas vezes faz orgulhar Portugal e a lusofonia tomando o papel do Estado, poderia, com pouco dinheiro, melhorar o espaço: uma biblioteca, edições fac-símile, algo que efectivamente conecte aquele espaço com Lisboa.
Almada é doce como doce foi a conversa que tive com uma jovem à saída da Roça da Saudade: todos os mapas que tinha me indicavam que era possível seguir dali por um caminho até Milagrosa, sem ter que passar pelo Monte Café; mas passados 20 metros, logo a seguir à primeira curva, não vejo a estrada, no meio da multidão de pessoas e animais. Perguntei, então, à jovem:
“- A estrada é por ali?”
“- É, sempre em frente.”
Segui, devagar para não atropelar ninguém, nem uns 50 metros. Eu não vi a estrada mas a estrada que a jovem me disse estava, efectivamente, ali: debaixo da casa de alguém que deve ter pensado que era melhor construir a moradia em cima do paralelo do que num ermo qualquer. Risota, marcha-atrás e muita paciência para não atropelar ninguém e observar as mentes a pensarem “branco é maluco!”.
De Trindade até Milagrosa a estrada volta a ser feita de crateras com algum asfalto. Mas de Milagrosa para Bombaim, “apenas 9 Km”, de pedras e troncos de arvores caídas, numa paisagem de enorme beleza com árvores seculares que tapam grandes precipícios, que o Jimny, com toda a calma, vai ultrapassando. Ao fim de 40 minutos uma cascata e, mais abaixo, um hotel abandonado e umas cabanas.
Doce e palavras de consolo foi o que dei; mas as pessoas estavam à espera de arroz…
O regresso de Bombaim foi feito por outro caminho que cruza os grandes montes verdes, por Java e Abade, em direcção a Santo António e ao seu famoso Eco Lodge. Descendo em direcção ao mar, a Nacional 2.
Não sei se é do nome mas a estrada Nacional 2 é A estrada! Liga a Cidade ao sul da Ilha, até Porto Alegre. Cruzei-a vários dias mas ao Sábado é dia das mulheres lavarem a roupa nos diversos rios que a cruzam, e é uma alegria e um colorido inimagináveis no Portugal dos dias de hoje.
Até ao palmeiral o asfalto é perfeito e o transito, sobretudo a seguir a Angolares, é quase inexistente. Tem rectas, curvas de alta, media e baixa velocidade, onde o pequeno 4x4 passou dos 130 km/h. Depois do palmeiral a estrada volta a estar esburacada; mas a paisagem pintada de grandes folhas de alma e com o Cão Grande a tomar conta do espaço, faz valer a pena os solavancos. E lá no fundo da estrada, estão as praias paradisíacas; capa de revista!
O sobe e desce parece um carrocel alpino, com a vantagem de viajar com uma temperatura de 30 graus, entre a serra linda e verdejante, de onde brotam arvores e frutas exóticas, e o mar com praias de areia preta ou branca, autênticos paraísos naturais. Com o calor, nada como parar e dar um mergulho no Atlântico retemperador.
Foi isso que fiz na baía da praia das Sete Ondas; são mesmo sete, como nos ensinam, e que movimentam de tempos a tempos o mar tranquilo. A areia é negra e a envolvente verde escura da floresta.
Mais à frente é a Praia do Micondo – termo muito ligado aos açorianos – com a Roça que, de lá do alto, serve de mirante de tempos idos. Aqui, um grupo de crianças, nus, mergulhavam efusivamente no mar e rebolavam na areia, parecendo croquetes. Não sabiam o que era croquetes, ficaram pastel da terra.
“ – O que querem ser quando forem grandes?”
“ - Quero ser professor!”
“ – Como pensam ser a nossa vida, de onde vimos?”
“- De Portugal. Terra digelo, lá onde faz fresco.”
“ – Estudam”.
“ – São brancos!”.
E voltavam a mergulhar. Doce!
Por falar em mergulhos - a serra verde que beija o mar azul continua a sua fauna e flora, mar adentro -, mergulhei na Lagoa Azul, num naufrágio junto ao aeroporto e lá no sul, no Ilhéu das Rolas, na Linha do Equador.
Um aquário com visibilidade de 30 metros, com água a 22 graus – os meus guias de mergulho diziam que estava fria - se eles se apanhassem na Galiza deveriam parecer Jesus Cristo a caminhar sobre as águas!! – peixes de todas as cores dão mais vida ao mar. Abracei um cardume e, curiosos, um grupo de Bonitos veio sondar. Muitas moreias, cobras de água e uma larva-de-fogo.
No Ilhéu das Rolas, mais sorte teve quem ficou no barco: um grupo de 7 golfinhos passou por cima; mas lá do fundo, não consegui ver os simpáticos mamíferos aquáticos. Ficou o sorriso da estória, que vale tanto ou mais que a experiência.
Aqui no sul dormi numa praia de Porto Alegre, num Eco Lodge. Não havia electricidade e apenas corria um fiozinho de água para o banho; mas estar num local deserto, com quilómetros de areia e mar, sabendo que é ali que milhares de tartarugas, todos os anos, caminham para a água e dão início a um novo ciclo, faz valer a pena. Tudo vale a pena, num universo que é justo e perfeito e onde o equilíbrio e a natureza são palavra de ordem. Vamos preservá-lo.
De manhã, um pequeno barquinho, devagar como uma chalana, levou-me ao Ilhéu. É obrigatório ir ao monumento erigido a Gago Coutinho e
Sacadura Cabral e que está na Linha do Equador. Remanescências de um Império que tem por base a língua e o conhecimento e, segundo algumas vozes de gente das roças, de gente de trabalho, um Império que poderia manter a sua organização. Opiniões!
Foi aqui nas Rolas que comi, porventura, uma das melhores refeições da vida, preparada pelo Toi: frugal, um peixe assado no forno, como molho de centros e óleo de palma, acompanhado de fruta-pão e banana. Mas o local e a vista, em plena areia, à sombra do coqueiro e com os pés a poucos metros do azul turquesa do mar quente. Leve leve.
Doce é a gastronomia São Tomense; não poderia terminar um texto à volta da palavra doce, sem falar do bem que se come na ilha.
Desde os sofisticados Roça de São João, em Angolares, ao Omali e ao Pestana Resort na Cidade, passando pela Casa da D. Tete, Pirata, Papa Figos, Santola e em todas as praias, encontrando um pescador, é possível disfrutar-se de uma boa e saudável refeição.
Ali come-se o que a terra e o mar dão. Carne, apesar de se verem imensos porcos, cabras e galinhas, é para dia de festa. Por isso o peixe é o rei, com a fruta e alguns tubérculos, molho de coentros, malaguetas, mandioca. A acompanhar, nada melhor que Rosema, digo eu.
São Tomé é um país doce, uma dádiva da natureza. De gente humilde, de pessoas que saíram de Portugal e da África continental – muitos, a maior parte, de África – para construírem uma nova sociedade, levando consigo as suas crenças e tradições, os seus pequenos gestos e que foram sendo misturados e cristalizados. São Tomé é doce! Vou voltar!

segunda-feira, 6 de maio de 2019

1.5.19 - Fafe | Vieira do Minho | S.Bento Porta Aberta | Soajo | Cascata do Arado | Venda Nova | Chaves

Como nas refeições preparadas pelos grandes chefes, há sempre um prato principal. As entradas e a sobremesa, assim como os vinhos e os tira-sabores, são complementos que tornam as criações divinais porque o olfato e o palato está absorvido e predisposto a ter uma experiência.


Com três dias de viagem pela frente, preparei dois pratos principais - Gerês e Montesinho -, aos quais juntei tudo o resto, digno de figurar num qualquer guia com Estrela Michelin.

Fafe foi o local onde disse adeus à autoestrada e iniciei o “Road to National Parks”.
Queimadela, Várzea Cova, Gontim, Aboim, passar em estradas de asfalto que cruzam a terra e onde sei que se salta, que se atalha, por 1001 incursões pelas terras da gente dos ralis; descer para Vieira do Minho, pelo Ermal, ver o Rio Ave como um fiozinho de água límpida que se perde na montanha e transformar-se, como um super-herói, numa massa enorme de água, local de recreio de milhares de pessoas nos dias quentes de verão.

Tudo a grande velocidade, com os Creedence a ecoarem na minha memória e fazendo-me cantarolar enquanto me divirto a subir e descer, acelerar e trocar de caixa a ouvir o ruído metálico, como se de um punção se tratasse; a reduzir e a ouvir os ratéres tão característico.
Cheguei a Vieira do Minho e, certamente, tinha um sorriso nos lábios: estava de volta às viagens, ao prazer de conduzir uma big trail até ao sol se pôr, por aí algures. De acelerar, de ir  com o joelho quase ao chão nas curvas mais apertadas, num carrocel entre a floresta típica portuguesa e os rios e o abismo.
Descer até às pontes do Cávado e subir a São Bento da Porta Aberta: o local de paragem nas viagens da escola, onde se compravam bugigangas - que não interessavam a ninguém - mas que eram o motivo do nosso orgulho de criança ao oferecer um galo de Barcelos que mudava a cor conforme a humidade, à mãe. Ou um corta-unhas com a imagem dos espigueiros do Soajo; ou sei lá mais o quê, na ínfima cultura popular de objectos de uso diário.


Por falar em Soajo, o destino seguinte seria esse. Para lá chegar, curva-contra-curva até ao que foi Vilarinho da Furna e, depois, Germil.
Em Vilarinho da Furna tive o momento 007 da viagem, ao descer por uma estrada de terra até à base do muro da barragem e ficar por baixo da turbina, com a água a sair a grande pressão mesmo por cima de mim. Tentei, por várias vezes, fazer poses para tirar uma fotografia de efeito minimamente interessante, com a perpectiva do jorro de água. Fiquei pelos mínimos!
Chegado ao Soajo, com os majestosos espigueiros que se erguem para o céu, o estômago ergueu-se igualmente e clamou por atenção. De nada lhe serviu porque os poucos restaurantes estavam a abarrotar.
Meia volta e fui até ao Lindoso onde, no Dia do Trabalhador, apenas um restaurante manhoso com diárias a condizer me serviu um bife de frango grelhado com batatas encharcadas em óleo. Ao jantar vingo-me, pensei. E assim o fiz! Mas já la vamos.
Queria ir à Cascata do Arada e o melhor caminho era dar o salto para Espanha e voltar a entrar pela Portela do Homem.
Pelo meio do trânsito infernal de turistas em dia de feriado a aproveitar o bom tempo, cavalos selvagens e manadas de vacas e bois mostravam os seus mais variados dotes, dando um ar ainda mais pitoresco a toda a cena. Nas cascatas que embelezam a serra, pessoas de todas as idades divertem-se como se estivéssemos em pleno verão, mostrando os seus corpos ainda brancos à espera que uma qualquer cor se pegue aos pigmentos.

Por estradas municipais e caminhos de cabras, fui a Fafião, Cabril e subi até à barragem de Paradela. Com tamanha emoção, esqueci-me que a moto também necessita de alimento e, de lá do alto da Barragem da Paradela até à Venda Nova, tal como se vê no mapa, foi colocar a mão na embraiagem e vir a lanço, Portugal abaixo, para conseguir meter gasolina.
Era final do dia e Chaves estava ali, depois da N103, cheia de encanto.
Realizei a última parte da viagem a cantar, a curtir, a tirar verdadeiro prazer de condução da moto. Foi assim o dia todo!
Cheguei a Chaves e ergui o punho no ar, como se tivesse ganho alguma coisa.
A primeira etapa estava terminada e, ao jantar, ao acompanhar uma cabidela, o encontro com amigos das corridas e das viagens. O mundo é uma ervilha!


quarta-feira, 27 de março de 2019

22.3.19 |24 .3.19 - Rigi | Stoos | Titlis

Quando o frio é cristalino, o céu torna-se muito azul e a neve reflecte os raios de sol, sorrio; lembro-me da minha juventude, de todas as aventuras e desventuras por essas montanhas fora e desejo deslizar a alta velocidade em parabólicas tangenciais.
Uma skitrip, uma escapadinha de três dias, organizada pela Agência Paraíso, teve como destino a Suíça: além de ser um país que adoro, é o paraíso europeu para os amantes de desportos de neve.
A base de toda a operação foi a estância termal de Baden, em Zurich, o que me colocava a pouco mais de meia hora das estâncias em torno do Lago de Lucerna, ou Lago dos 4 Cantões. O Toyota Rav4 foi o bolide das viagens e, durante 400 km, devido ao sistema hibrido, não vi o ponteiro da gasolina baixar; e nem por isso deixe de andar rápido e me divertir no carrocel alpino!
Rigi, Stoos e Titlis, os pontos altos da viagem – literalmente! Uma mistura de estancias fancy, excelentes acessibilidades e neve no seu estado mais puro.

Rigi parere tirado de um filme dos anos 60 da cinecittá: um monte com floreste e o lago ao lado, casinhas que o telhado assume uma cobertura branca como se de um bolo se tratasse. Para se chegar ao topo da estância, uma grande cabine ou o comboio que sobe lentamente pela paisagem idílica. Usei os dois!
Senti-me o Ralph Fiennes em The Grand Budapest Hotel. Foi um retorno ao passado, cristalizado pela neve.
Uma estância indicada para férias em família, onde o nível de ski não é muito exigente e as diversões e as paisagens são muitas.
Stoos foi a estância!

Para se lá chegar usa-se um misto de cabine/ comboio/ elevador que sobe case na vertical, num túnel escavado na rocha e que, aos poucos e poucos, vai desvendando um paraíso natural de pistas rápidas – só vermelhas e pretas -, em duas vertentes da montanha.
Para animar a coisa, estava a decorrer uma prova do campeonato nacional suíço de ski alpino e as estrelas e as promessas olímpicas, andavam por lá.
A estância era pequena para tantos egos e eu bati-me afincadamente por tentar impressionar. E impressionei! A mim mesmo: eles andam mais depressa as curvas do que eu a direito; um treinador, carregado de botas e skis às costas ultrapassou-me como uma bala. Parei e fiquei a ver a prova. A observar, a aprender.

Durante três dias só caí duas vez es e foram aqui: uma porque ia depressa demais e travei tarde em cima de uma lomba, saindo projectado de lado, montanha a baixo. Outra por que estava cansado e, mesmo devagar, as pernas já não queriam colaborar.
Na queda a sério, com a inércia, levantei-me logo apesar de ter zurrado no chão com o cotovelo e o ombro. Foi o Alpinestars que me deu todo esse conforto! A tecnologia das motos usada no ski tem essa vantagem: um casaco quente, leve, com protecções nas costas, ombros e cotovelos. E giro!!
No fim do dia, umas cervejas com os campeões e a natural troca de estórias entre os desportos de neve e as corridas de automóveis.

Para último lugar ficou Titlis: glaciar a mais de 3.000 metros de altitude, com a sua torre metálica, joia da coroa da Suiça central, ponto turístico de “visita à neve”: eram às centenas os indianos e chineses, vestidos com a calça da moda e o sapatinho de pele, sem meia, alguns de gravata posta e encasacados com tudo o que compraram nas lojas mais in de Zurich, Luzern e afins, a subirem na cabine redonda panorâmica, pintada de vermelho e com a cruz branca, de selfie stick em punho, para verem a neve.

Ao chegarem, o atrito entre a sola de couro e a superfície gelada provocava, a maior parte das vezes, tombo certo. Certamente mais uma recordação para levarem para a longínqua casa.
As pistas, apesar de vermelhas e pretas, não eram tão desafiantes como as do dia anterior e o sol primaveril convidava a tirar a roupa e a aproveitar os raios luminosos.
Depois de conhecer praticamente todas as pistas da estância, foi tempo de um rüsti e cerveja. Muita cerveja e estórias de vinte anos de ski: as pessoas, os tombos, vidas de quem cresceu com o gosto pelo frio e pela velocidade.

Relembrar a melhor queda, a melhor estância com visibilidade zero, os saltos, viagens a cruzar o centro de Espanha que pareciam eternas, entrar nas discotecas com o camelback por baixo da camisa e atestado de vodka laranja; o manto estrelado sobre as montanhas e a paz de espírito.
Um hino à amizade!

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

19.10.18 - Dubai | Hatta | Kalba | Dubai

Apesar de ser "outono", o calor aperta e no meio da cidade do Dubai, com milhões de ar-condicionados a funcionar, por vezes as ruas tornam-se penosas sob a luz do dia. Mas para conhecer os Emiratos deve-se sair das grandes cidades e mergulhar no interior.
80% da população do Dubai são expatriados e, por isso, toda esta mescla cultural de mais de 200 nacionalidades, destacando-se a Índia e o Paquistão, com 25 e 12% da população total do país. E são pessoas destes países que se vêm às 5 da manhã em autocarros brancos a chegar às obras e aos serviços menores. Não são clean and shining; são autocarros simples, brancos, sujos que transportam gente simples e suja; mas não branca.
Ou quando se sai da cidade, vêm-se as suas casas, nas saídas mais reconditas das autoestradas: são blocos de apartamentos todos iguais onde se vêm milhares de fardas azuis e castanhas a secar nas janelas.
Foi isto que deixamos para trás quando nos dirigimos a Hatta, pelo meio do deserto, no encalce das montanhas rochosas.
Pouco depois de cruzarmos um erg, perto de Al Madam, assaltou-me a ideia de chegar a Hatta por um caminho menos convencional, digamos!: abandonamos a estrada principal e fomos pelo meio de umas plantações até que, depois de uma cáfila, abandonamos o asfalto e entramos na montanha por um caminho de terra batida.
Foram mais de 30 Km onde o pequeno Nissan Sunny portou-se como um UMM!
Os pneus é que não e, para um indiano que se encontrava por lá a trabalhar, foi um regalo ver a nossa coordenação ao mudar a roda em menos de 5 minutos.
A pisar a superficie lunar foi assim que nos sentimos... não estivesse ali ao lado uma enorme vedação que acompanha todos os vales e picos, relembrando que a terra é dividida entre os EAU e Omã.
Com a aventura do dia no papo, a viagem prosseguiu até à vila que acolhe uma barragem e uma parte da representação histórica dos Emiratos: um lago com kayakes para alugar e a imagem dos líderes pintada no muro da barragem que, a avaliar pela altura da água e pela precipitação, irá cair de podre sem nunca ter exercido a sua função. 
A representação da história do país é um conjunto de casas onde outrora foi uma torre de menagem e onde montaram cenas da vida quotidiana.
A fome aperta e Hatta fica na região montanhosa no meio do país. E lá longe, no mar, fica Kalba.
O caminho mais perto e rápido seria entrar em Omã e depois sair na fronteira de Kalba. Mas não estamos na velha Europa e atravessar a fronteira poderá levar o tempo e a vontade de almoçar.

Kalba é uma original cidade Emirati, com uma grande bandeira na primeira rotunda e que fica visível de toda a extensão da enorme avenida que acompanha a ria e o palmeiral.
Aqui não há prédios altos e os Bentleys e G AMG são substituídos por Lexus LS 400 e Mitsubishi Pajero, dourados e com miras no capot a imitar os antigos mercedes.
As pessoas vivem da agricultura e da pesca e isso é visível na paisagem e na gastronomia; na estrada marginal são visíveis os pescadores na sua arte xávega.
Parámos o carro e pudemos assistir ao puxar de redes, snedo um pouco diferente da "nossa": um barco lança uma rede de arrasto que forma um U na costa. Depois, da praia, dois velhos Toyotas puxam a rede fechando o U e trazendo tudo o que há para trazer

Há dias, 107 forgonetas de peixe, disseram-nos. Mas hoje, nem uma...
Na rede vinham duas tartarugas gigantes da sua velhice. Foram devolvidas ao mar e, segundo me contaram depois, porque estavam estrangeiros a fotografar; caso contrário iriam parar a algum souk para serem vendidas a peso de ouro!
Passando pelo mercado, é possivel observar o almoço: dourada, barracuda, espadarte, tubarão (uma espécie de cação), lavagante, cavaco, lulas do tamanho de um bucho de um boi!
Com o pôr do sol do lado do Dubai, foi tempo de cruzar Fujairah - uma cidade que está a crescer e que parece o Dubai de há 20 anos atrás - e entrar na autoestrada que cruza montanhas e deserto, em direcção à cidade nova.
 Ir do deserto e entrar no Dubai, dá aquela sensação de far west. Se escutarmos o Legendary Tiger Man, então ainda fica mais giro!

sábado, 20 de outubro de 2018

12.10.18 - Abu Dhabi

Amigo do meu amigo meu amigo é. Fui sempre assim, uma vezes melhor outras vezes pior, mas a natureza é essa mesmo.
Com este princípio fui com o Negrais até Abu Dhabi para visitar um amigo que está cá a trabalhar há vários anos: o Fernando.
Depois das apresentações feitas, foi traçado o objectivo da visita: ver o Palácio, a Mesquita e, pelo meio, uma ida à praia. o Circuito de Yas Marina fica para outra ocasião... provavelmente para a F1.
O Palácio onde se dão as recepções oficiais em Abu Dhabi fica ao lado do Palácio onde mora a família real e em frente aos poucos arranha-céus que existem na cidade; onde foi filmado um dos filmes da saga (ou chaga!) Fast and Furious.
É imponente, com fontes e jardins e o palácio um sitio mais elevado do que a entrada.
No interior abundam os dourados e os candelabros, tapeçarias, joias expostas.
Também há lojas e dois hóteis. Ou seja, toda aquela vivência da corte viver em comunhão com o Rei, como se lê nas histórias dos nossos tempos idos, aos dias de hoje e fora as monarquias europeis e os sistemas tribais africanos, é feito num hotel. 
A ideia não é má, recria-se o mesmo ambiente e todos já sabem, à partida, quanto irá cobrar o Sheikh Nahyan por essa convivência.
Depois da visita, com a fome a apertar, nada como ir a uma padaria portuguesa, de gentes de Loulé, que trouxeram até Abu Dhabi a tosta mista, a Francesinha, o Bacalhau. Tudo confeccionado na hora e com grande afluência de portugueses e outros expatriados.
Com a barriga cheia, fomos à praia. Supostamente é pública mas pagámos 6 euros para entrar. Mesmo assim, nada comparado com os clubes que cobram 70 euros para se poder dar um mergulho no mar.
Abu Dhabi é uma cidade mais clean que o Dubai, sem tantos arranha-céus; uma cidade que respira melhor. Mas as assimetrias socias estão todas lá e pequenos exemplos como este da praia relembram-me que, apesar dos nomes das celebridades que volta e meia aparecem por aqui, do nome dos arquitectos nas fachadas, dos supercarros, isto continua a ser um país de terceiro mundo.
Depois de uma excelente almoço num restaurante de uns australianos, com direito a cerveja e tudo, foi tempo de ir à Mesquita.
Linda!

É o melhor que se pode dizer do edifício branco, ilumunido por tons de azul, que fazem sobressair as abóbodas na noite estrelada.
Como não sou uma pessoa religiosa, consigo ter a mesma paz de espírito numa mesquita como numa igreja ou nos templos hindus. É bom! E avaliando as centenas de pessoas que lá estavam, de todas as raças e certamente de todos os credos, não serei o único.