Ensonado, numa manhã fria e cinzenta com direito a pingos de chuva, à
hora marcada, estava a Negar à minha espera: no planeamento da viagem e
da estadia, conheci num fórum de viagens ao Irão vários guias não
oficiais e optei pela simpática Negar. Normalmente prefiro viajar
sozinho mas iria estar dia e meio numa cidade gigante, com milhões de
habitantes, com poucos a falarem inglês, duas moedas oficiais e com uma
discrepância assombrosa para tudo o que estou habituado, contratei um
guia porque sabia que me podia levar rapidamente aos sítios que gostaria
de visitar, dava-me a conhecer a gastronomia tradicional e negociava os
preços de tudo. Sim, estamos num país persa dominado por muçulmanos e por
isso é preciso negociar tudo. E eu não falo farsi!
Quem é que nunca jogou o Prince of Persia?! Provavelmente são muito novos; ou quem nunca viu as estórias do Aladino e dos tapetes voadores?! E as princesas com joias do tamanho do mundo?!
Estando eu no Dubai a capital do Império Persa está “ali ao lado”, a duas horas de avião.
Teerão é, para mim, um marco da geopolítica internacional e visitá-la antes de mais uma asneira de Trump, é obrigatório. Ainda por cima Trump nunca deixa ninguém ficar mal quando se trata de asneiras que alteram de sobremaneira a relação entre estados soberanos.
Do lado iraniano as asneiras também são frequentes, como nos mostrou o Tenente Frank Derbin, da polícia de Los Angeles, numa tirada de humor que ainda hoje me leva às lágrimas.
Um voo nocturno via Muscat levou-me até ao primeiro contacto com a realidade iraniana: apesar de no site disponível para informações sobre vistos dizer uma série de coisas muito bonitas e amigáveis, a realidade não é bem assim; o que, às três da manhã e sem dormir, ter que aguardar mais uma série de horas para obter um visto que nem dá direito a carimbo no passaporte, é obra. Mas a paciência existe para alguma coisa e foi tempo de a aplicar.
Ainda no aeroporto tive que me livrar dos negociantes de dinheiro negro e trocar euros por milhões de reais iranianos, pelo valor correcto, com a ajuda de um simpático rapaz que também era taxista e me levou ao hotel, num dos muitos centros da cidade. O preço correcto da viagem, de 50 km, seriam 5 euros para um local. Pediu-me 15 e aceitou 10. 10 euros para 50 km?! Os senhores da Uber e da ANTRAM que ponham os olhinhos nisto!
O hotel era imponente, de 5 estrelas, uma marca dos idos anos 80. Mas fora as estrelas na fachada e a recepção, tudo o resto era digno de uma pensão estrelinha. Era para dormir meia dúzia de horas e tomar banho. Por 30 euros não se pode pedir muito e ainda por cima com os empregados de libré e todos aqueles dourados dos primeiros filmes do 007.
Voltando à visita, conhecer uma cidade muçulmana numa sexta-feira tem a vantagem de não haver trânsito e, num velho Yugo a dois tempos, com o volante ¼ virado para a esquerda, viajamos do hotel para a zona do Bazar e do Palácio Golestan.
O Palácio Golestan é um complexo de vários edifícios de tijolo-burro e cerâmica, que conta nos painéis de azulejos a história do país no seu período áureo. Salas interiores de espelhos mostram a riqueza da história e da cultura pré-revolução, a influência francesa – a forma de agradecimento ainda é “merce”, uma clara vertente de “merci” – e o gosto que os Xás tinham pelas artes.
No meio, jardins bem cuidados, com lagos e fontes refrescam os dias mais quentes no verão.
Todo o bairro onde se encontra o palácio e que segue pelo Bazar, apresenta os mesmos tons verde e azul, contrastando com o amarelo do tijolo.
Nos prédios e murais é frequente ver-se a cara dos Ayatolas e Imãs, além de pinturas sobre a grandeza do Irão e palavras de ordem contra os Estados Unidos. Apesar disso, a Coca-Cola vende mais que a Super Bock em dias de Queima e nas montras oficiais e nos vendedores de rua - além dos pés, como é obvio! – a Nike, camisolas a dizer US Army e fatos de treino dos LA Lakers tem lugar de destaque. Percebem?!
Por falar nisso, abrindo um parêntese, entre a guia, taxistas e empregados de balcão, do hotel e das lojas no bazar, e a minha vizinha na viagem de regresso no avião, devo ter falado com umas 15 a 20 pessoas. Num país com 90 milhões, não é nada. Contudo, só um não me falou mal do governo ou dos imãs.
Ouvi coisas como: não podem casar porque não têm dinheiro; não podem ter filhos porque não têm dinheiro; a internet é censurada em páginas como o Facebook e o Youtube; o dinheiro vai para ajudar os afegãos e os sírios e a população iraniana não tem como viver; a gasolina é muito barata mas o carro ou a moto e tudo os que envolva é caríssimo e abundam carros em segunda, terceira ou quarta mão; não podem mostrar afectos em público – os homens podem andar de mão dada e beijar outros homens; os casais não – as mulheres, locais ou turistas, têm que tapar o cabelo; a polícia secreta infiltra-se em várias camadas da população; não há álcool, apesar de Shiraz ser conhecida como o berço mundial do vinho; árabes: detestam os árabes; o culto da antiga religião Persa é proibido; etc..
Será que todos os reaccionários iranianos se juntaram para me falar, porque reconheceram em mim um social-democrata ou será que a população já pensa assim e isso demonstra a caducidade do governo religioso?
Fechando o parêntese e voltando à viagem em si, o Grande Bazar estava fechado por ser dia religioso mas de metro, percorrendo meia cidade, pude ir ao tradicional e mais pequeno Bazar de Tajrish.
Milhares de cores, de cheiros, entre romãs, açafrão, fruta desidratada e seca, nozes e pistachos, misturados com produtos tradicionais, lojas de cobres como aqueles que haviam na minha Azeméis natal, imitações da Gucci e da Fendi, bijuterias, óculos, chinelos, telemóveis, chocolates, café, pão e tudo o que consigam imaginar.
No meio desta gente dizer que sou português é sinónimo de júbilo por causa de… Carlos Queiroz. Os iranianos são aficionados pela bola e Queiroz é um deus nestas terras. Já Ronaldo, apesar de dizerem que é o melhor jogador do mundo também, dizem que não é desportista porque não sabe perder. Lá terão a sua razão; digo eu que não percebo grande coisa de futebol e não vi nenhum jogo do mundial.
Ao meio dia, em plena hora de oração, visitei a parte masculina da mesquita do Imã Zadeh Saleh. Em alabastro verde e prateada, bonita, é um local a ter em conta; não fosse o calor e cheiro intenso devido às centenas de pessoas que estavam no local, era um local de meditação.
O almoço foi num terraço, num segundo andar com vista para a montanha. O prato: costeletas de cordeiro e shemroon kebab, acompanhados de arroz de curcuma, pasta de azeitonas com romã e nozes, tomates grelhados e uma salada de uma espécie de agrião. Mais tradicional não há! Ah! E para beber, um iogurte com hortelã que foi rapidamente substituído por uma coca-cola. Mas isto tudo com uma cerveja ou um tintinho ia bem melhor!
Com o estômago retemperado e novas energias reforçadas, foi tempo de mais um táxi velho e um velho taxista rezingão até à montanha.
Teerão é rodeado por montanhas e o contraste entre a cidade altamente populosa e o rochedo salpicado de branco e por onde brota água, tornam-na quase única, como Marraquesh. O empedrado e as casas que se percorrem em Darband lembraram-me Águas Calientes e o meu amigo Viana, além da aventura sul americana.
Em Darband params para tomar um chá, num dos muitos cafés em cima do estreito rio. Quando o emregado percebeu que eu era português, trouxe para a mesa uma bandeira das quinas. Simpático!
O dia escurecia e ainda faltavam três atracções: o Museu do Cinema, a torre Milad e a Nature Bridge.
O Museu do Cinema é numa casa do sec. XIX que pertencia a um antigo ministro e que tem um um jardinzinho e vive-se uma onda muito cool, com jovens com ar hipster.
A torre da Milad, uma das mais altas do mundo, permite uma vista de 360º sobre Teerão; tem um museu e um restaurante giratório. O pôr do sol deveria ser lindo mas foi-se enquanto comprava os bilhetes e aguardava na fila para subir. Lá do alto, apenas a noite e luzes aos milhões.
Último destino de sexta-feira: a Natural Bridge. Bem, de natural não tem nada e é uma estrutura de aço, moderna, iluminada de verde e que une dois jardins, por cima de uma movimentada avenida. Apesar do frio as pessoas passeavam pela ponte, entre os parques, conversavam, fumavam, ouviam musica e os miúdos praticavam hip pop e andavam de skate.
Negar é simpática e bem disposta e, sobretudo, uma persa apaixonada pelo seu país. Foi uma grande ajuda nesta visita relâmpago; mas amanhã terei que andar sozinho…
Quem é que nunca jogou o Prince of Persia?! Provavelmente são muito novos; ou quem nunca viu as estórias do Aladino e dos tapetes voadores?! E as princesas com joias do tamanho do mundo?!
Estando eu no Dubai a capital do Império Persa está “ali ao lado”, a duas horas de avião.
Teerão é, para mim, um marco da geopolítica internacional e visitá-la antes de mais uma asneira de Trump, é obrigatório. Ainda por cima Trump nunca deixa ninguém ficar mal quando se trata de asneiras que alteram de sobremaneira a relação entre estados soberanos.
Do lado iraniano as asneiras também são frequentes, como nos mostrou o Tenente Frank Derbin, da polícia de Los Angeles, numa tirada de humor que ainda hoje me leva às lágrimas.
Um voo nocturno via Muscat levou-me até ao primeiro contacto com a realidade iraniana: apesar de no site disponível para informações sobre vistos dizer uma série de coisas muito bonitas e amigáveis, a realidade não é bem assim; o que, às três da manhã e sem dormir, ter que aguardar mais uma série de horas para obter um visto que nem dá direito a carimbo no passaporte, é obra. Mas a paciência existe para alguma coisa e foi tempo de a aplicar.
Ainda no aeroporto tive que me livrar dos negociantes de dinheiro negro e trocar euros por milhões de reais iranianos, pelo valor correcto, com a ajuda de um simpático rapaz que também era taxista e me levou ao hotel, num dos muitos centros da cidade. O preço correcto da viagem, de 50 km, seriam 5 euros para um local. Pediu-me 15 e aceitou 10. 10 euros para 50 km?! Os senhores da Uber e da ANTRAM que ponham os olhinhos nisto!
O hotel era imponente, de 5 estrelas, uma marca dos idos anos 80. Mas fora as estrelas na fachada e a recepção, tudo o resto era digno de uma pensão estrelinha. Era para dormir meia dúzia de horas e tomar banho. Por 30 euros não se pode pedir muito e ainda por cima com os empregados de libré e todos aqueles dourados dos primeiros filmes do 007.
Voltando à visita, conhecer uma cidade muçulmana numa sexta-feira tem a vantagem de não haver trânsito e, num velho Yugo a dois tempos, com o volante ¼ virado para a esquerda, viajamos do hotel para a zona do Bazar e do Palácio Golestan.
O Palácio Golestan é um complexo de vários edifícios de tijolo-burro e cerâmica, que conta nos painéis de azulejos a história do país no seu período áureo. Salas interiores de espelhos mostram a riqueza da história e da cultura pré-revolução, a influência francesa – a forma de agradecimento ainda é “merce”, uma clara vertente de “merci” – e o gosto que os Xás tinham pelas artes.
No meio, jardins bem cuidados, com lagos e fontes refrescam os dias mais quentes no verão.
Todo o bairro onde se encontra o palácio e que segue pelo Bazar, apresenta os mesmos tons verde e azul, contrastando com o amarelo do tijolo.
Nos prédios e murais é frequente ver-se a cara dos Ayatolas e Imãs, além de pinturas sobre a grandeza do Irão e palavras de ordem contra os Estados Unidos. Apesar disso, a Coca-Cola vende mais que a Super Bock em dias de Queima e nas montras oficiais e nos vendedores de rua - além dos pés, como é obvio! – a Nike, camisolas a dizer US Army e fatos de treino dos LA Lakers tem lugar de destaque. Percebem?!
Por falar nisso, abrindo um parêntese, entre a guia, taxistas e empregados de balcão, do hotel e das lojas no bazar, e a minha vizinha na viagem de regresso no avião, devo ter falado com umas 15 a 20 pessoas. Num país com 90 milhões, não é nada. Contudo, só um não me falou mal do governo ou dos imãs.
Ouvi coisas como: não podem casar porque não têm dinheiro; não podem ter filhos porque não têm dinheiro; a internet é censurada em páginas como o Facebook e o Youtube; o dinheiro vai para ajudar os afegãos e os sírios e a população iraniana não tem como viver; a gasolina é muito barata mas o carro ou a moto e tudo os que envolva é caríssimo e abundam carros em segunda, terceira ou quarta mão; não podem mostrar afectos em público – os homens podem andar de mão dada e beijar outros homens; os casais não – as mulheres, locais ou turistas, têm que tapar o cabelo; a polícia secreta infiltra-se em várias camadas da população; não há álcool, apesar de Shiraz ser conhecida como o berço mundial do vinho; árabes: detestam os árabes; o culto da antiga religião Persa é proibido; etc..
Será que todos os reaccionários iranianos se juntaram para me falar, porque reconheceram em mim um social-democrata ou será que a população já pensa assim e isso demonstra a caducidade do governo religioso?
Fechando o parêntese e voltando à viagem em si, o Grande Bazar estava fechado por ser dia religioso mas de metro, percorrendo meia cidade, pude ir ao tradicional e mais pequeno Bazar de Tajrish.
Milhares de cores, de cheiros, entre romãs, açafrão, fruta desidratada e seca, nozes e pistachos, misturados com produtos tradicionais, lojas de cobres como aqueles que haviam na minha Azeméis natal, imitações da Gucci e da Fendi, bijuterias, óculos, chinelos, telemóveis, chocolates, café, pão e tudo o que consigam imaginar.
No meio desta gente dizer que sou português é sinónimo de júbilo por causa de… Carlos Queiroz. Os iranianos são aficionados pela bola e Queiroz é um deus nestas terras. Já Ronaldo, apesar de dizerem que é o melhor jogador do mundo também, dizem que não é desportista porque não sabe perder. Lá terão a sua razão; digo eu que não percebo grande coisa de futebol e não vi nenhum jogo do mundial.
Ao meio dia, em plena hora de oração, visitei a parte masculina da mesquita do Imã Zadeh Saleh. Em alabastro verde e prateada, bonita, é um local a ter em conta; não fosse o calor e cheiro intenso devido às centenas de pessoas que estavam no local, era um local de meditação.
O almoço foi num terraço, num segundo andar com vista para a montanha. O prato: costeletas de cordeiro e shemroon kebab, acompanhados de arroz de curcuma, pasta de azeitonas com romã e nozes, tomates grelhados e uma salada de uma espécie de agrião. Mais tradicional não há! Ah! E para beber, um iogurte com hortelã que foi rapidamente substituído por uma coca-cola. Mas isto tudo com uma cerveja ou um tintinho ia bem melhor!
Com o estômago retemperado e novas energias reforçadas, foi tempo de mais um táxi velho e um velho taxista rezingão até à montanha.
Teerão é rodeado por montanhas e o contraste entre a cidade altamente populosa e o rochedo salpicado de branco e por onde brota água, tornam-na quase única, como Marraquesh. O empedrado e as casas que se percorrem em Darband lembraram-me Águas Calientes e o meu amigo Viana, além da aventura sul americana.
Em Darband params para tomar um chá, num dos muitos cafés em cima do estreito rio. Quando o emregado percebeu que eu era português, trouxe para a mesa uma bandeira das quinas. Simpático!
O dia escurecia e ainda faltavam três atracções: o Museu do Cinema, a torre Milad e a Nature Bridge.
O Museu do Cinema é numa casa do sec. XIX que pertencia a um antigo ministro e que tem um um jardinzinho e vive-se uma onda muito cool, com jovens com ar hipster.
A torre da Milad, uma das mais altas do mundo, permite uma vista de 360º sobre Teerão; tem um museu e um restaurante giratório. O pôr do sol deveria ser lindo mas foi-se enquanto comprava os bilhetes e aguardava na fila para subir. Lá do alto, apenas a noite e luzes aos milhões.
Último destino de sexta-feira: a Natural Bridge. Bem, de natural não tem nada e é uma estrutura de aço, moderna, iluminada de verde e que une dois jardins, por cima de uma movimentada avenida. Apesar do frio as pessoas passeavam pela ponte, entre os parques, conversavam, fumavam, ouviam musica e os miúdos praticavam hip pop e andavam de skate.
Negar é simpática e bem disposta e, sobretudo, uma persa apaixonada pelo seu país. Foi uma grande ajuda nesta visita relâmpago; mas amanhã terei que andar sozinho…
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