sábado, 6 de agosto de 2022

31.07 | 5.08 - Albufeira

Vir no verão ao Algarve, para passar férias, foi um ritual que mantive dos 5 meses até aos 30 anos. Eram dias seguidos em Cavalo Preto, Garrão, Ancão, Falésia, onde o tempo corria ao sabor das brincadeiras de criança e paixões e devaneios de adolescente.

Depois dos 30 retirei o Algarve do mapa de férias mas, qual ironia do destino, corridas no Autódromo de Portimão e apresentações automóveis em Vilamoura, fazem-me vir todos os anos ao sul, na época estival.


Este ano não foi diferente e estou há dias na Marina de Vilamoura a apresentar a gama EQ da Mercedes. Sustentabilidade é o valor que se pode beber destes belíssimos automóveis que fazem lembrar os Jetsons ou o AI, dada a tecnologia, e a forma holística como mobilidade e respeito pelo meio ambiente encaixam na perfeição.

O dia tem 24 horas e, no Algarve, parece que há a capacidade de o esticar um pouco.

Assim, além das 8 horas de trabalho ainda tive tempo para fazer algumas das coisas que mais gosto: mergulhar e cozinhar!

Curioso da flora e fauna marítima algarvia, que nos coloca no prato peixe e marisco fabuloso, marquei 6 mergulhos com a Easy Divers, que tem base em Albufeira. Há anos mergulhei no Revival, mas desta vez queria experimentar mergulhos pouco profundos e nos recifes naturais.

Encontrei na equipa gente muito competente e boa, como é apanágio dos mergulhadores: conhecedores da técnica do mergulho, com respeito pela natureza e, sobretudo, com espírito de interajuda. E foi bem precisa!

No primeiro dia de mergulho, dois spots ao largo de Armação de Pêra – o maior recife natural português: Caneca e Cravo de Fora.

Em Caneca, uma parede cheia de gavetas abrigava santolas, robalos, douradas e imensos nudis para, em Cravo de Fora, encontrar uma grande quantidade de rascasso e peixe escorpião, fazendo parecer que as pedras se moviam ao sabor da corrente. A Teresa, buddy nestes dois mergulhos e uma experiente fotógrafa subaquática, captou em caranguejo ermita. Lindo!

Nos segundo e terceiro dias de mergulho, 4 spots que estão unidos pela natureza, ao largo de Santa Eulália: um recife que se estende mar adentro e que possibilita vários locais para mergulhar. Santa 1, Santa 2, Pedra do Alto e Alto 3 foram os locais onde tive experiências memoráveis!

Muitas moreia e congros, polvos, nudis, navalheiras, santolas, raias, robalos, douradas e peixe porco que, pela sua curiosidade e alguma loucura, se comporta como um tubarão a defender o seu território.

A água estava a 20 graus e com uma visibilidade de 15 metros. Ufa! O meu querido fato, que me acompanhou em centenas de jornadas, decidiu ganhar vida própria, deixando a água entrar. Ainda bem que anos a fio a mergulhar na Galiza em pleno inverno me fizeram ganhar resistência ao frio para continuar a disfrutar, tal como no primeiro dia que entrei na água, da natureza no seu esplendor.

O Algarve, nesta altura do ano, está apinhado de turistas, de pessoas que vão para as praias, andam de moto de água, gaivotas, parapente; os locais têm milhares de anos ligados à pesca. Estes mundos tão dispersos e tão próximos convivem salutarmente.

Prova disso foram as minhas idas ao mercado de Albufeira, onde encontrei tudo aquilo que vi debaixo de água. É sinal que há lugar para todos, se todos pensarem na actividade de cada um.

Da banca trouxe ostras, ameijoas, ovas de choco. Tentei reproduzir o que os peixeiros me ensinaram, para manter viva a cultura algarvia, a tradição portuguesa.

O caminho é a sustentabilidade. É ter emoções fortes, com a capacidade de respeitar o próximo.

Obrigado Raúl e Wilson, meus guias de mergulho. Um abraço à Teresa, à Ana e ao Filipe, meus buddys.

Quando tiver um fato novo, volto ao mar. E espero que seja em breve!

sexta-feira, 24 de junho de 2022

24.6.22 - Alcañiz | Calanda | Aguaviva | La Ginebrosa | Alcañiz

Este fim-de-semana tenho corrida em Alcañiz, no espectacular circuito apelidado de Motorland.

De facto, Alcañiz, é uma cidade, vila, que vive intensamente o desporto motorizado, desde que há desporto motorizado e, por isso, o Governo Espanhol decidiu construir neste local inóspito, um circuito de velocidade com todas as valências que possam imaginar.



No caminho para o circuito - partindo de Barcelona -, mal abandonei a auto-estrada, fui abençoado por um pôr-do-sol lindíssimo que dava novas formas às montanhas que escondem pequenos povoados dentro de si. Para aumentar o desejo, são inúmeras as placas que indicam “carretera motera”.

Pois bem! Há muito que não faço uma roadtrip mas hoje, depois de ter finalizado os primeiros procedimentos regulamentares e aproveitando a pausa de almoço, peguei no carro e fui à descoberta da região do Bajo Arágon.

Para minha sorte, logo a seguir ao circuito, há uma barragem de águas límpidas que foi um pequeno aperitivo para o que aí vinha! O que veio logo a seguir foi uma estrada em terra batida, em bom estado, que deu um gozo enorme percorrer e que me levou a Las Saladas; ou seja, a um salar, um sitio onde se recolhe sal de montanha e que nos faz lembrar que apesar de estarmos no alto e a 120 km da costa, o mar já andou por aqui.   

Descendo no mapa, ou seja, para sul, mas subindo na altitude, fui até Calanda e a sua barragem que enforma o Rio Gualadupe, dando uma cor azul clara a todo aquele espaço, que emboca nas florestas de pinheiro manso.

Daí desce para Mas de Las Matas e, num salto, para Aguaviva.

Em Aguaviva é que dei literalmente um salto: procurava uma ponte romana, ou quiçá antiga, ou que lhe quiseram dar esse aspecto mas, debaixo dela, o Rio Bergantes, translucido, com pequenos peixes convidou-me a mergulhar. Foi o melhor do dia!

Não vim aqui para passear e o tempo passava.
Por isso, seguindo setas amarelas de Santiago, rumei a norte por La Ginebrosa, até à terra do motor.  E juro que honrei a maravilhosa tecnologia mecânica do mundo moderno chamada de motor, caixa de velocidades, suspensão e travões.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

1.8.19 - Chão da Velha | Bemposta | Foros de Arão | Bucelas | Cabo da Roca | Guincho | Sintra

O Chão da Velha é uma aldeia que é uma rua de casas bainxinhas e que descem até ao Tejo. É simpática, calma e todos se conhecem pelo nome ou pela família. É assim desde que lá vou e espero que o seja durante muito tempo.
Por isso, não foi com estranheza que me viram chegar de moto"cheia de pinta" e, logo de manhã cedinho, me viram partir em direcção aos montes que, juntamente com o rio, fazem a fronteira entre o Alentejo e a Beira Baixa.
Nisa, Gavião e Abrantes, três concelhos enormes por onde já andei rápido - muito rápido mesmo! - nas provas da Ferraria e Portalegre. Desta vez fui mais lento e apreciei a paisagem: a fauna e a flora. Além de cegonhas, uma raposinha correu de uma ponta a outra da estrada.
Até à Bemposta, nada de novo mas depois, entrando na zona de Foros do Arrão, a estrada era virgem para mim e deu muito gozo de condução. Primeiro pela planície e depois por curvas encadeadas antes de chegar a Montargil.
Afinal também já tinha andado por ali, com o Diogo, o Pedro, o Márcio e o Armindo, num Adventure Days. Não naquelas estradas, mas a memória avivou-se.
Montargil, Couço, Coruche, Infantado, Vila Franca. N251, N119, N10.
Cruzando o Tejo, subi a serra verde de vinhas, em direcção a Bucelas e ao seu centro que honra a tradição vinícula da região.
Daí segui para Sintra, para o último Parque Natural da viagem.
Segui para ocidente, para o ponto mais a oeste da Europa; mas, pelo místicismo da floresta e dos palácios, parecia uma viagem para onde nasce o sol.
O Cabo da Roca estava cheio de turistas mas a foto era obrigatória.
Mas do Guincho, fiz o último pedacinho em terra batida, subi ao marco geodésico, para tirar uma foto fantástica, uma boa chapa!
Três dias, mais de 1.000 km, numa moto fantástica para uma viagem nas calmas, a apreciar a paisagem, a conhecer novas pessoas e culturas. Gostei!


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terça-feira, 6 de agosto de 2019

31.7.19 - Alcoutim | Vila Verde de Ficalho | Barrancos | Olivenza | Elvas | Alegrete | S.Mamede | Marvão | Chão da Velha

O dia mais lono da viagem: traçar uma linha o mais recta possível entre Alcoutim e o Chão da Velha, para me levar do Parque Natural do Guadiana ao Parque Natural da Serra de São Mamede.
Mal o sol começou a subir, também eu subi a encosta de terra batida que liga a Pousada da Juventude de Alcoutim ao Castelo Velho. Um pouco de emoção e a terra a aparecer nos espelho da mota, um nuvem que sobe no ar e me faz sonhar com outras paragens e outros andamentos.
Alcançada a N265, encontrei um parceiro que quis medir o musculo da Royal Enfield. Estrada fora, com o patim a roçar muitas vezes o asfalto nas curvas para Mértola, o motor 400 e a ciclistica não me deixaram ficar nada mal perante uma 750 bem mais vocacionada para o asfalto. Cumprimentamo-nos no semáforo da ponte de Mértola e ele seguiu a sua viagem até Lisboa e eu tinha o azimute para Vila Verde de Ficalho.
As azinheiras e o Guadiana ficaram para trás e, empurrado pelo suão quente, chegava a Vila Verde de Ficalho para, de seguida, continuar para norte em direcção a Safara e Barrancos, Entretanto cantarolava:

Subi à serra da adiça
E só parei no talefe
A lua alegre e roliça
Aumentava o tefe tefe
Levei a saca de estopa
Preparado para caçar
Faço dela a minha roupa
Se o frio da noite apertar
O teu coração parece
Uma pedra sem destino
Dizem que só amolece
Ao canto de um gambozino
Uns dizem que é fugidio
Os outros que é de má raça
Tenho de ter algum brio
Para não espantar a caça

Assim me fiz caçador
Sem espingarda nem "piloto"
Para ter o teu amor
Para te cair no goto

As coisas que a gente faz
A dar vazão ao que sente
Já pensava em vir pra trás
Sai-me um vulto pela frente
Abri a boca da saca
Fechei os olhos ao medo
A tua mão não me escapa
Não é tarde nem é cedo

E entrei no Alentejo das grandes planícies, do montado, do touro e do cavalo. Os ares de Espanha, a raia, o contrabando. Fui a Barrancos levado pelo sabor do presunto mas com o calor a apertar (e muito!), fui aconselhado a não levar a bela viola de porco preto na moto.
Então, sem presunto, continuei para norte, cruzei a fronteira e fui até Olivenza ver as nossas propriedades emprestadas ao Rei de Espanha e, com a larica de quem já andava em viagem há horas, voltei a enrolar o punho até à Ponte de Ajuda e segui em direcção a Elvas e ao El Cristo.
Um barco de mariscos era para duas pessoas e eu tive vergonha de pedir um só para mim. Eram camarões, santola, percebes, e muito mais coisas perfeitamente ordenados numa espécie de traineira que nunca viajou pelo Guadiana. Dada a vergonha, pedi quase tudo o que vinha no barco.. mas separadamente! Foi um almoço que domorou horas e soube muito bem.
Em criança fui muitas vezes a Elvas, terra de "contrabandista de amor e saudade", e foi bom ver como a cidade evoluí. O imponente aqueduto foi o cenário perfeito para a foto.
Sem mais demoras, fui para o Parque Natural de São Mamede. A terra branca tornou-se escura e a paisagem mudou depois de Alegre. O pinheiro, o carvalho e o castanheiro dominam a paisagem do ponto mais alto do sul de Portugal. Do alto de S.Mamede vi Portalegre e o Marvão, o destino seguinte.
Mas a grande supresa veio na estrada de Marvão para o Chão da Velha, passando por Nisa, como é obvio. Em vez de seguir por Castelo de Vide e a judiaria, fiz-me ao caminho por uma estrada de gado.
O sol estava a desaparecer no horizonte e pude ver centenas de aves, cavalos, um boi que me impunha muito respeito - e, quando o ultrapassei, percebi que o pobre animal tinha apenas medo de mim - e dois veados. Um bebé e outro ainda jovem mas de grande porte.
Senti-me agradecido e não consegui evitar uma lágrima a escorrer pelo rosto.
Não tirei foto; não cosegui. Está gravado na memória.

domingo, 4 de agosto de 2019

30.7.19 - Sintra | Alcácer | Alcaçovas | Alqueva | Pulo do Lobo | São Domingos | Mértola | Alcoutim


Com Royal Enfield escrito na lateral da moto – um aspecto retro que transporta o heritage da marca britânica, o depósito com uma pintura camuflada de cinza -, senti-me um T.E.Lawrence ou o Steve Mcqueen. Encarnei o a personagem e a Oscar by Alpinestars encarregou-se do look. 
Sintra foi o início e o fim da viagem, uma das pontas de um triângulo que desenhei no mapa de Portugal. Mas por agora, Sintra foi só o local de recolha da moto e, até Alcácer do Sal, não há nada a referir porque foram 120 km  de autoestrada.

Assim, de Alcácer tracei uma linha recta directa ao Alqueva: Alcáçovas, Viana do Alentejo e Portel. 
Como já tinha comprado um chocalho em Alcáçovas quando, há anos, fiz a N2, a ideia era não parar... mas fi-lo mesmo à saída da Vila com o badalo mais conhecido, porque vi um mural pintado por crianças, onde se vêm os heróis da revolução: o povo e o MFA de braço dado. Tinha que ficar com o registo!
A Endfield, é uma moto com motor qb para aquilo que foi concebida - por comparação grosseira, poderia dizer que se fosse um automóvel era um dos novos SUV citadinos -, muito ágil e fácil de manobrar. 
A fundo, por planícies cobertas de trigo e vacas, ia cantarolando músicas dos Rio Grande. Jorge Palma, Rui Veloso, Vitorino, João Gil e Tim. Um projecto musical dos meus anos 90, da minha juventude, onde o Alentejo era o pano de fundo às letras do João Monge. 
Voltando à condução - com o tempo de cantorias já tinha chegado ao Alqueva! -, no grande lago revi alguns percursos da minha estreia no Adventure Days, e andei algus quilómetros fora de estrada a acompanhar o manto de água; estava quente e convidou a um mergulho antes de almoço! 
A barragem do Alqueva mudou a paisagem e mudou a economia do Alentejo: onde outrora estavam campos secos, hoje florescem oliveiras e oliveiras e oliveiras.
Cruzei Serpa e o termómetro marcava 42º.
No Pulo do Lobo também. Mas depois de me deliciar a conduzir na estrada de terra que nos leva até à fraga esculpida por algum arquitecto do mundo e onde passa o Guadiana, com tamanha emoção por estar sozinho naquele lugar único, enóspito, de tranquilidade, onde a água se aperta por entre as rochas, não era o calor que me iria incomodar. 
Em S.Domingos, constata-se a desertificação do interior ao ver-se as inumeras casas e oficinas abandonadas dos mineiros. Onde estará aquela gente, para onde foram as famílias? 

Entre poços, uma mina inundada de água roxa e grandes ruínas industriais, o local foi o ideal para fotos: uma mistura entre Far West do Trinitá a revolução industrial.
A viagem para a ponta sul do meu triângulo mostra como foi importante a presença dos árabes no sul da Península. Ficaram os nomes,
tradições, técnicas de regadio, sabores, temperos. Será uma tajine assim tão diferente de uma cataplana?
O Parque Natural do Guadiana eleva-se de Serpa até Alcoutim e eleva o nivel de condução e de misticismo da viagem. 


quinta-feira, 23 de maio de 2019

14.5.19 | 21.5.19 Road to Terra do Café

Doce!
Esta é a melhor palavra para descrever a ilha de São Tomé, lá no meio do Atlântico, com uma pontinha sobre a linha do Equador. Doce! Assim mesmo com um ponto de exclamação – logo eu que não sou nada de exclamações, nem na vida nem no género literário porque dá a ideia que se fala aos berros ou que nos espantamos com o nosso próprio pensamento -, porque S.Tomé é um pasmo de boa onda.
Doce na palavra das crianças, aos milhares desde a Cidade, às Roças ou às praias que, com um sorriso infinito e cheio de bondade, desejam apenas um miminho: pode ser um rebuçado, pode ser um beijinho ou um five. São crianças ternurentas que se tornam adultos dóceis, educados, que pedem licença antes de falar, que abrem as portas de casa e dos corações.
“ - Senhor senhor! Da próxima vez que vier cá pode-me trazer uma texas, para poder jogar mais rápido? Para jogar como no monopólio…”
Trago sim, respondi eu sem saber a quê; e de repente abre um saco de plástico que se escondia debaixo do sovaco, onde guardava o seu bem mais precioso: umas velhas chuteiras.
“ – Não precisam de ser tão boas como estas”, respondeu-me o rapaz, à saída da Roça Diogo Vaz, quando decidi ir para norte e percorrer toda a Nacional 1, até não poder mais, até depois de Ponta Furada.
A Estrada Nacional 1 sai da Cidade de São Tomé e segue em direcção a norte e, depois, acompanha a ilha entre o verde da floresta e o azul do mar, para oeste. Vilas e aldeias estão semeadas entre crateras no asfalto, povoadas por crianças e adultos, motos, monovolumes amarelos com cordas a segurar a tampa da mala à base da escova do limpa-para-brisas, porcos e leitões, galinhas e pintainhos, igrejas de todo o tipo e credo. É assim na Nacional 1 e, salvo os buracos que felizmente só aqui se encontram, em todas as outras estradas, asfaltadas ou em pedra e terra batida.
A particularidade desta estrada, depois de ser passar em locais tão belos como as praias de Tamarindos, Conchas, a Lagoa Azul; depois de se parar em Neves para saborear uma santola e uma Rosema fresquinha, num primeiro andar de uma velha casa com mesas numa varanda que ladeia uma escada e onde se escuta toda a vizinhança, lá em baixo; depois de Lemba, deixa-se o mar e entra-se na floresta.
O sol desaparece por baixo da folhagem e onde antes havia asfalto existe erva um pouco menor que a que ocupa todo o resto do espaço. um abismo também é doce.
Os barulhos são outros, a cor, a humidade, um constante gotejar que parece ser chuva mas é a condensação. Em Ponta Furada, um homem com uma camisola do Benfica – são aos milhares aqui! – espantou-se por ver um carro, tão longe de tudo. Quilómetros mais à frente, não conseguia prosseguir mais e dei a volta. Esta sensação de caminhar para
Doce foi a conversa do Luís Fernando – os nomes são, maioritariamente, portugueses, vincando bem a origem cristã das nossas descobertas e do movimento colonizador de São Tomé, as “Ilhas do Fim-do-Mundo” -, um morador da Roça de Monte Café que fez questão de explicar todo o processo de transformação do café, desde a colheita à torragem. Conheci a escola, a sanzala, o outrora hospital da Roça. Hoje é quase tudo habitação e escola porque as crianças são imensas e todas vão à escola; há palavras de ordem escritas nas fachadas como a educação ser a melhor arma para enfrentar o mundo.
Monte Café fica na Nacional 3, que sai da Cidade e vai para o centro do território. A estrada é soberba, de asfalto novo, liso, uma rampa onde o meu amigo Pedro Salvador brilharia e onde o meu pequeno Suzuki Jimny começou a perder a gaguez e a mostrar-se um grande meio de transporte.
Da Roça do Monte Café há uma picada para por Novo Destino e Pentecostes que leva à nascente do Rio do Ouro e à Roça Agostinho Neto. Mas ao invés disso, continuei até Sodade, no caminho para S.Nicolau.
Saudade é a Roça do pai do Almada Negreiros e é com esforço que os habitantes tentam reunir um acervo do artista para aumentar a importância da Roça. Será que a Roça foi importante para o trabalho de Almada?! Certamente foi. E a Fundação Gulbenkian, que tantas vezes faz orgulhar Portugal e a lusofonia tomando o papel do Estado, poderia, com pouco dinheiro, melhorar o espaço: uma biblioteca, edições fac-símile, algo que efectivamente conecte aquele espaço com Lisboa.
Almada é doce como doce foi a conversa que tive com uma jovem à saída da Roça da Saudade: todos os mapas que tinha me indicavam que era possível seguir dali por um caminho até Milagrosa, sem ter que passar pelo Monte Café; mas passados 20 metros, logo a seguir à primeira curva, não vejo a estrada, no meio da multidão de pessoas e animais. Perguntei, então, à jovem:
“- A estrada é por ali?”
“- É, sempre em frente.”
Segui, devagar para não atropelar ninguém, nem uns 50 metros. Eu não vi a estrada mas a estrada que a jovem me disse estava, efectivamente, ali: debaixo da casa de alguém que deve ter pensado que era melhor construir a moradia em cima do paralelo do que num ermo qualquer. Risota, marcha-atrás e muita paciência para não atropelar ninguém e observar as mentes a pensarem “branco é maluco!”.
De Trindade até Milagrosa a estrada volta a ser feita de crateras com algum asfalto. Mas de Milagrosa para Bombaim, “apenas 9 Km”, de pedras e troncos de arvores caídas, numa paisagem de enorme beleza com árvores seculares que tapam grandes precipícios, que o Jimny, com toda a calma, vai ultrapassando. Ao fim de 40 minutos uma cascata e, mais abaixo, um hotel abandonado e umas cabanas.
Doce e palavras de consolo foi o que dei; mas as pessoas estavam à espera de arroz…
O regresso de Bombaim foi feito por outro caminho que cruza os grandes montes verdes, por Java e Abade, em direcção a Santo António e ao seu famoso Eco Lodge. Descendo em direcção ao mar, a Nacional 2.
Não sei se é do nome mas a estrada Nacional 2 é A estrada! Liga a Cidade ao sul da Ilha, até Porto Alegre. Cruzei-a vários dias mas ao Sábado é dia das mulheres lavarem a roupa nos diversos rios que a cruzam, e é uma alegria e um colorido inimagináveis no Portugal dos dias de hoje.
Até ao palmeiral o asfalto é perfeito e o transito, sobretudo a seguir a Angolares, é quase inexistente. Tem rectas, curvas de alta, media e baixa velocidade, onde o pequeno 4x4 passou dos 130 km/h. Depois do palmeiral a estrada volta a estar esburacada; mas a paisagem pintada de grandes folhas de alma e com o Cão Grande a tomar conta do espaço, faz valer a pena os solavancos. E lá no fundo da estrada, estão as praias paradisíacas; capa de revista!
O sobe e desce parece um carrocel alpino, com a vantagem de viajar com uma temperatura de 30 graus, entre a serra linda e verdejante, de onde brotam arvores e frutas exóticas, e o mar com praias de areia preta ou branca, autênticos paraísos naturais. Com o calor, nada como parar e dar um mergulho no Atlântico retemperador.
Foi isso que fiz na baía da praia das Sete Ondas; são mesmo sete, como nos ensinam, e que movimentam de tempos a tempos o mar tranquilo. A areia é negra e a envolvente verde escura da floresta.
Mais à frente é a Praia do Micondo – termo muito ligado aos açorianos – com a Roça que, de lá do alto, serve de mirante de tempos idos. Aqui, um grupo de crianças, nus, mergulhavam efusivamente no mar e rebolavam na areia, parecendo croquetes. Não sabiam o que era croquetes, ficaram pastel da terra.
“ – O que querem ser quando forem grandes?”
“ - Quero ser professor!”
“ – Como pensam ser a nossa vida, de onde vimos?”
“- De Portugal. Terra digelo, lá onde faz fresco.”
“ – Estudam”.
“ – São brancos!”.
E voltavam a mergulhar. Doce!
Por falar em mergulhos - a serra verde que beija o mar azul continua a sua fauna e flora, mar adentro -, mergulhei na Lagoa Azul, num naufrágio junto ao aeroporto e lá no sul, no Ilhéu das Rolas, na Linha do Equador.
Um aquário com visibilidade de 30 metros, com água a 22 graus – os meus guias de mergulho diziam que estava fria - se eles se apanhassem na Galiza deveriam parecer Jesus Cristo a caminhar sobre as águas!! – peixes de todas as cores dão mais vida ao mar. Abracei um cardume e, curiosos, um grupo de Bonitos veio sondar. Muitas moreias, cobras de água e uma larva-de-fogo.
No Ilhéu das Rolas, mais sorte teve quem ficou no barco: um grupo de 7 golfinhos passou por cima; mas lá do fundo, não consegui ver os simpáticos mamíferos aquáticos. Ficou o sorriso da estória, que vale tanto ou mais que a experiência.
Aqui no sul dormi numa praia de Porto Alegre, num Eco Lodge. Não havia electricidade e apenas corria um fiozinho de água para o banho; mas estar num local deserto, com quilómetros de areia e mar, sabendo que é ali que milhares de tartarugas, todos os anos, caminham para a água e dão início a um novo ciclo, faz valer a pena. Tudo vale a pena, num universo que é justo e perfeito e onde o equilíbrio e a natureza são palavra de ordem. Vamos preservá-lo.
De manhã, um pequeno barquinho, devagar como uma chalana, levou-me ao Ilhéu. É obrigatório ir ao monumento erigido a Gago Coutinho e
Sacadura Cabral e que está na Linha do Equador. Remanescências de um Império que tem por base a língua e o conhecimento e, segundo algumas vozes de gente das roças, de gente de trabalho, um Império que poderia manter a sua organização. Opiniões!
Foi aqui nas Rolas que comi, porventura, uma das melhores refeições da vida, preparada pelo Toi: frugal, um peixe assado no forno, como molho de centros e óleo de palma, acompanhado de fruta-pão e banana. Mas o local e a vista, em plena areia, à sombra do coqueiro e com os pés a poucos metros do azul turquesa do mar quente. Leve leve.
Doce é a gastronomia São Tomense; não poderia terminar um texto à volta da palavra doce, sem falar do bem que se come na ilha.
Desde os sofisticados Roça de São João, em Angolares, ao Omali e ao Pestana Resort na Cidade, passando pela Casa da D. Tete, Pirata, Papa Figos, Santola e em todas as praias, encontrando um pescador, é possível disfrutar-se de uma boa e saudável refeição.
Ali come-se o que a terra e o mar dão. Carne, apesar de se verem imensos porcos, cabras e galinhas, é para dia de festa. Por isso o peixe é o rei, com a fruta e alguns tubérculos, molho de coentros, malaguetas, mandioca. A acompanhar, nada melhor que Rosema, digo eu.
São Tomé é um país doce, uma dádiva da natureza. De gente humilde, de pessoas que saíram de Portugal e da África continental – muitos, a maior parte, de África – para construírem uma nova sociedade, levando consigo as suas crenças e tradições, os seus pequenos gestos e que foram sendo misturados e cristalizados. São Tomé é doce! Vou voltar!