quinta-feira, 23 de maio de 2019

14.5.19 | 21.5.19 Road to Terra do Café

Doce!
Esta é a melhor palavra para descrever a ilha de São Tomé, lá no meio do Atlântico, com uma pontinha sobre a linha do Equador. Doce! Assim mesmo com um ponto de exclamação – logo eu que não sou nada de exclamações, nem na vida nem no género literário porque dá a ideia que se fala aos berros ou que nos espantamos com o nosso próprio pensamento -, porque S.Tomé é um pasmo de boa onda.
Doce na palavra das crianças, aos milhares desde a Cidade, às Roças ou às praias que, com um sorriso infinito e cheio de bondade, desejam apenas um miminho: pode ser um rebuçado, pode ser um beijinho ou um five. São crianças ternurentas que se tornam adultos dóceis, educados, que pedem licença antes de falar, que abrem as portas de casa e dos corações.
“ - Senhor senhor! Da próxima vez que vier cá pode-me trazer uma texas, para poder jogar mais rápido? Para jogar como no monopólio…”
Trago sim, respondi eu sem saber a quê; e de repente abre um saco de plástico que se escondia debaixo do sovaco, onde guardava o seu bem mais precioso: umas velhas chuteiras.
“ – Não precisam de ser tão boas como estas”, respondeu-me o rapaz, à saída da Roça Diogo Vaz, quando decidi ir para norte e percorrer toda a Nacional 1, até não poder mais, até depois de Ponta Furada.
A Estrada Nacional 1 sai da Cidade de São Tomé e segue em direcção a norte e, depois, acompanha a ilha entre o verde da floresta e o azul do mar, para oeste. Vilas e aldeias estão semeadas entre crateras no asfalto, povoadas por crianças e adultos, motos, monovolumes amarelos com cordas a segurar a tampa da mala à base da escova do limpa-para-brisas, porcos e leitões, galinhas e pintainhos, igrejas de todo o tipo e credo. É assim na Nacional 1 e, salvo os buracos que felizmente só aqui se encontram, em todas as outras estradas, asfaltadas ou em pedra e terra batida.
A particularidade desta estrada, depois de ser passar em locais tão belos como as praias de Tamarindos, Conchas, a Lagoa Azul; depois de se parar em Neves para saborear uma santola e uma Rosema fresquinha, num primeiro andar de uma velha casa com mesas numa varanda que ladeia uma escada e onde se escuta toda a vizinhança, lá em baixo; depois de Lemba, deixa-se o mar e entra-se na floresta.
O sol desaparece por baixo da folhagem e onde antes havia asfalto existe erva um pouco menor que a que ocupa todo o resto do espaço. um abismo também é doce.
Os barulhos são outros, a cor, a humidade, um constante gotejar que parece ser chuva mas é a condensação. Em Ponta Furada, um homem com uma camisola do Benfica – são aos milhares aqui! – espantou-se por ver um carro, tão longe de tudo. Quilómetros mais à frente, não conseguia prosseguir mais e dei a volta. Esta sensação de caminhar para
Doce foi a conversa do Luís Fernando – os nomes são, maioritariamente, portugueses, vincando bem a origem cristã das nossas descobertas e do movimento colonizador de São Tomé, as “Ilhas do Fim-do-Mundo” -, um morador da Roça de Monte Café que fez questão de explicar todo o processo de transformação do café, desde a colheita à torragem. Conheci a escola, a sanzala, o outrora hospital da Roça. Hoje é quase tudo habitação e escola porque as crianças são imensas e todas vão à escola; há palavras de ordem escritas nas fachadas como a educação ser a melhor arma para enfrentar o mundo.
Monte Café fica na Nacional 3, que sai da Cidade e vai para o centro do território. A estrada é soberba, de asfalto novo, liso, uma rampa onde o meu amigo Pedro Salvador brilharia e onde o meu pequeno Suzuki Jimny começou a perder a gaguez e a mostrar-se um grande meio de transporte.
Da Roça do Monte Café há uma picada para por Novo Destino e Pentecostes que leva à nascente do Rio do Ouro e à Roça Agostinho Neto. Mas ao invés disso, continuei até Sodade, no caminho para S.Nicolau.
Saudade é a Roça do pai do Almada Negreiros e é com esforço que os habitantes tentam reunir um acervo do artista para aumentar a importância da Roça. Será que a Roça foi importante para o trabalho de Almada?! Certamente foi. E a Fundação Gulbenkian, que tantas vezes faz orgulhar Portugal e a lusofonia tomando o papel do Estado, poderia, com pouco dinheiro, melhorar o espaço: uma biblioteca, edições fac-símile, algo que efectivamente conecte aquele espaço com Lisboa.
Almada é doce como doce foi a conversa que tive com uma jovem à saída da Roça da Saudade: todos os mapas que tinha me indicavam que era possível seguir dali por um caminho até Milagrosa, sem ter que passar pelo Monte Café; mas passados 20 metros, logo a seguir à primeira curva, não vejo a estrada, no meio da multidão de pessoas e animais. Perguntei, então, à jovem:
“- A estrada é por ali?”
“- É, sempre em frente.”
Segui, devagar para não atropelar ninguém, nem uns 50 metros. Eu não vi a estrada mas a estrada que a jovem me disse estava, efectivamente, ali: debaixo da casa de alguém que deve ter pensado que era melhor construir a moradia em cima do paralelo do que num ermo qualquer. Risota, marcha-atrás e muita paciência para não atropelar ninguém e observar as mentes a pensarem “branco é maluco!”.
De Trindade até Milagrosa a estrada volta a ser feita de crateras com algum asfalto. Mas de Milagrosa para Bombaim, “apenas 9 Km”, de pedras e troncos de arvores caídas, numa paisagem de enorme beleza com árvores seculares que tapam grandes precipícios, que o Jimny, com toda a calma, vai ultrapassando. Ao fim de 40 minutos uma cascata e, mais abaixo, um hotel abandonado e umas cabanas.
Doce e palavras de consolo foi o que dei; mas as pessoas estavam à espera de arroz…
O regresso de Bombaim foi feito por outro caminho que cruza os grandes montes verdes, por Java e Abade, em direcção a Santo António e ao seu famoso Eco Lodge. Descendo em direcção ao mar, a Nacional 2.
Não sei se é do nome mas a estrada Nacional 2 é A estrada! Liga a Cidade ao sul da Ilha, até Porto Alegre. Cruzei-a vários dias mas ao Sábado é dia das mulheres lavarem a roupa nos diversos rios que a cruzam, e é uma alegria e um colorido inimagináveis no Portugal dos dias de hoje.
Até ao palmeiral o asfalto é perfeito e o transito, sobretudo a seguir a Angolares, é quase inexistente. Tem rectas, curvas de alta, media e baixa velocidade, onde o pequeno 4x4 passou dos 130 km/h. Depois do palmeiral a estrada volta a estar esburacada; mas a paisagem pintada de grandes folhas de alma e com o Cão Grande a tomar conta do espaço, faz valer a pena os solavancos. E lá no fundo da estrada, estão as praias paradisíacas; capa de revista!
O sobe e desce parece um carrocel alpino, com a vantagem de viajar com uma temperatura de 30 graus, entre a serra linda e verdejante, de onde brotam arvores e frutas exóticas, e o mar com praias de areia preta ou branca, autênticos paraísos naturais. Com o calor, nada como parar e dar um mergulho no Atlântico retemperador.
Foi isso que fiz na baía da praia das Sete Ondas; são mesmo sete, como nos ensinam, e que movimentam de tempos a tempos o mar tranquilo. A areia é negra e a envolvente verde escura da floresta.
Mais à frente é a Praia do Micondo – termo muito ligado aos açorianos – com a Roça que, de lá do alto, serve de mirante de tempos idos. Aqui, um grupo de crianças, nus, mergulhavam efusivamente no mar e rebolavam na areia, parecendo croquetes. Não sabiam o que era croquetes, ficaram pastel da terra.
“ – O que querem ser quando forem grandes?”
“ - Quero ser professor!”
“ – Como pensam ser a nossa vida, de onde vimos?”
“- De Portugal. Terra digelo, lá onde faz fresco.”
“ – Estudam”.
“ – São brancos!”.
E voltavam a mergulhar. Doce!
Por falar em mergulhos - a serra verde que beija o mar azul continua a sua fauna e flora, mar adentro -, mergulhei na Lagoa Azul, num naufrágio junto ao aeroporto e lá no sul, no Ilhéu das Rolas, na Linha do Equador.
Um aquário com visibilidade de 30 metros, com água a 22 graus – os meus guias de mergulho diziam que estava fria - se eles se apanhassem na Galiza deveriam parecer Jesus Cristo a caminhar sobre as águas!! – peixes de todas as cores dão mais vida ao mar. Abracei um cardume e, curiosos, um grupo de Bonitos veio sondar. Muitas moreias, cobras de água e uma larva-de-fogo.
No Ilhéu das Rolas, mais sorte teve quem ficou no barco: um grupo de 7 golfinhos passou por cima; mas lá do fundo, não consegui ver os simpáticos mamíferos aquáticos. Ficou o sorriso da estória, que vale tanto ou mais que a experiência.
Aqui no sul dormi numa praia de Porto Alegre, num Eco Lodge. Não havia electricidade e apenas corria um fiozinho de água para o banho; mas estar num local deserto, com quilómetros de areia e mar, sabendo que é ali que milhares de tartarugas, todos os anos, caminham para a água e dão início a um novo ciclo, faz valer a pena. Tudo vale a pena, num universo que é justo e perfeito e onde o equilíbrio e a natureza são palavra de ordem. Vamos preservá-lo.
De manhã, um pequeno barquinho, devagar como uma chalana, levou-me ao Ilhéu. É obrigatório ir ao monumento erigido a Gago Coutinho e
Sacadura Cabral e que está na Linha do Equador. Remanescências de um Império que tem por base a língua e o conhecimento e, segundo algumas vozes de gente das roças, de gente de trabalho, um Império que poderia manter a sua organização. Opiniões!
Foi aqui nas Rolas que comi, porventura, uma das melhores refeições da vida, preparada pelo Toi: frugal, um peixe assado no forno, como molho de centros e óleo de palma, acompanhado de fruta-pão e banana. Mas o local e a vista, em plena areia, à sombra do coqueiro e com os pés a poucos metros do azul turquesa do mar quente. Leve leve.
Doce é a gastronomia São Tomense; não poderia terminar um texto à volta da palavra doce, sem falar do bem que se come na ilha.
Desde os sofisticados Roça de São João, em Angolares, ao Omali e ao Pestana Resort na Cidade, passando pela Casa da D. Tete, Pirata, Papa Figos, Santola e em todas as praias, encontrando um pescador, é possível disfrutar-se de uma boa e saudável refeição.
Ali come-se o que a terra e o mar dão. Carne, apesar de se verem imensos porcos, cabras e galinhas, é para dia de festa. Por isso o peixe é o rei, com a fruta e alguns tubérculos, molho de coentros, malaguetas, mandioca. A acompanhar, nada melhor que Rosema, digo eu.
São Tomé é um país doce, uma dádiva da natureza. De gente humilde, de pessoas que saíram de Portugal e da África continental – muitos, a maior parte, de África – para construírem uma nova sociedade, levando consigo as suas crenças e tradições, os seus pequenos gestos e que foram sendo misturados e cristalizados. São Tomé é doce! Vou voltar!

domingo, 12 de maio de 2019

3.5.19 - Puebla de Sanabria | Rio de Onor | Quintanilha | Chacim | Cheires | Pinhão | Gestaçõ | Porto


Acordei antes de Puebla ter acordado.
O sol frio entrava pela janela e a noite mal dormida colocou a minha mente bem longe dali, no aconchego caseiro, junto de quem nos quer, dos amigos.
Estavam 5 graus; calcei as luvas de inverno e apertei o caso e a roupa térmica. Sabia que dentro de pouco tempo teria que trocar as Alpinestars de gore-tex por umas mais finas de enduro, que adoro. Mas para já queria sentir os dedos, enquanto cruzei a floresta em direcção a Rio de Onor.
Em Rio de Onor parei na ponte para fotografar o riacho que serve de fronteira.
Em Guadramil, uma instalação kitsch ou uma simples falta de gosto despertou a minha atenção: uma espécie de jardim vertical feito com sanitas de várias cores. Não queria acreditar e parei a moto e voltei atrás para ter a certeza do que estava a ver.
Dali segui pelo Parque de Montesinho até Quintanilha. Não vi nenhum urso. Vi um gamo que, mal ouviu o barulho da moto saltou de um lado para o outro da estrada e desapareceu no meio da mata. Continuei a subir o monte e quando começo a descer, do outro lado, um veado com as suas hastes ao alto mirou-me. Um porte adulto, grande, mas igualmente fugidio, não quis ser capturado pela lente da máquina fotográfica.
Rumando a sul, e saindo da zona de ribeiros, a temperatura subiu… e de que maneira!
Deixei o Parque Natural e fui até Chacim, Macedo de Cavaleiros. Solto, pelo prazer da condução, pelas N218, 317, 217 e cruzando a serra pelo Convento de Balsamão.
Subi por uma estrada minúscula até ao famoso hotel de Alfândega da Fé, para ir apanhar a N214 e 314 e entrar nas fragas do Tua.
 Destino: Quinta do Estanho, no coração do Vinho do Porto, em Cheires, Alijó.
O Fernando Cardoso recebeu-me na sua renovada adega, com orgulho nas medalhas que a família foi coleccionando ao longo de gerações de homens do vinho e do Douro.
De Cheires subi a Sabrosa e desci ao Pinhão por Vale de Mendiz. A estrada acompanha os socalcos de vinhas que se expõem ao sol e amadurecem as uvas. De caminhos desertos passei a andar em estradas cheias de turistas, com feições de todo o mundo, em busca de foto cénicas, deste paraíso há pouco descoberto.
Acompanhei o Douro pela N222 e, na Régua ,cruzei a margem para a N108.
Em Mesão Frio, passei a fronteira vinícula da região do Douro para a região do Verde e subi a serra da Aboboreira para encontrar um dos melhores representantes do Douro Verde: a Quinta do Ferro.
Uma vinha num vale a mais de 600 metros de altitude, rodeada por nogueiras e com a velha casa brasonada, engrandecem a qualidade dos espumantes que Micaela Fonseca coloca há 20 anos nas mais diversas garrafeiras do mundo.
Com o sabor da uva Avesso, das cebolinhas em vinho, dos enchidos, do anho assado, do leite creme da Tasquinha do Fumo, voltei a descer ao Douro, acompanhando o sol a estender-se nas águas, até à Ponte Luiz I.
Chegado ao destino, fiz uma festa na moto, no meu cavalo de batalha que nunca me abandonou. Ficou como registo a foto da praxe.
Até ao próximo destino!