domingo, 12 de maio de 2019

3.5.19 - Puebla de Sanabria | Rio de Onor | Quintanilha | Chacim | Cheires | Pinhão | Gestaçõ | Porto


Acordei antes de Puebla ter acordado.
O sol frio entrava pela janela e a noite mal dormida colocou a minha mente bem longe dali, no aconchego caseiro, junto de quem nos quer, dos amigos.
Estavam 5 graus; calcei as luvas de inverno e apertei o caso e a roupa térmica. Sabia que dentro de pouco tempo teria que trocar as Alpinestars de gore-tex por umas mais finas de enduro, que adoro. Mas para já queria sentir os dedos, enquanto cruzei a floresta em direcção a Rio de Onor.
Em Rio de Onor parei na ponte para fotografar o riacho que serve de fronteira.
Em Guadramil, uma instalação kitsch ou uma simples falta de gosto despertou a minha atenção: uma espécie de jardim vertical feito com sanitas de várias cores. Não queria acreditar e parei a moto e voltei atrás para ter a certeza do que estava a ver.
Dali segui pelo Parque de Montesinho até Quintanilha. Não vi nenhum urso. Vi um gamo que, mal ouviu o barulho da moto saltou de um lado para o outro da estrada e desapareceu no meio da mata. Continuei a subir o monte e quando começo a descer, do outro lado, um veado com as suas hastes ao alto mirou-me. Um porte adulto, grande, mas igualmente fugidio, não quis ser capturado pela lente da máquina fotográfica.
Rumando a sul, e saindo da zona de ribeiros, a temperatura subiu… e de que maneira!
Deixei o Parque Natural e fui até Chacim, Macedo de Cavaleiros. Solto, pelo prazer da condução, pelas N218, 317, 217 e cruzando a serra pelo Convento de Balsamão.
Subi por uma estrada minúscula até ao famoso hotel de Alfândega da Fé, para ir apanhar a N214 e 314 e entrar nas fragas do Tua.
 Destino: Quinta do Estanho, no coração do Vinho do Porto, em Cheires, Alijó.
O Fernando Cardoso recebeu-me na sua renovada adega, com orgulho nas medalhas que a família foi coleccionando ao longo de gerações de homens do vinho e do Douro.
De Cheires subi a Sabrosa e desci ao Pinhão por Vale de Mendiz. A estrada acompanha os socalcos de vinhas que se expõem ao sol e amadurecem as uvas. De caminhos desertos passei a andar em estradas cheias de turistas, com feições de todo o mundo, em busca de foto cénicas, deste paraíso há pouco descoberto.
Acompanhei o Douro pela N222 e, na Régua ,cruzei a margem para a N108.
Em Mesão Frio, passei a fronteira vinícula da região do Douro para a região do Verde e subi a serra da Aboboreira para encontrar um dos melhores representantes do Douro Verde: a Quinta do Ferro.
Uma vinha num vale a mais de 600 metros de altitude, rodeada por nogueiras e com a velha casa brasonada, engrandecem a qualidade dos espumantes que Micaela Fonseca coloca há 20 anos nas mais diversas garrafeiras do mundo.
Com o sabor da uva Avesso, das cebolinhas em vinho, dos enchidos, do anho assado, do leite creme da Tasquinha do Fumo, voltei a descer ao Douro, acompanhando o sol a estender-se nas águas, até à Ponte Luiz I.
Chegado ao destino, fiz uma festa na moto, no meu cavalo de batalha que nunca me abandonou. Ficou como registo a foto da praxe.
Até ao próximo destino!






quarta-feira, 8 de maio de 2019

2.5.19 - Chaves | Cistela | Seixas | França | Lago Sanabria | Puebla Sanabria


Chaves ficou para trás e, com isso, o verde do Parque Nacional da Peneda Gerês, com as suas arvores seculares, e que albergam as mais variadas espécies animais.
Ia entrar em terra inóspita, um retrato de Torga, onde, em estradas estreitas, me cruzei com manadas da bela carne barrosã, alguns rebanhos e, acompanhando-me no ar, inúmeras aves de rapina. Que não sejam abutres, pensei eu com os meus botões!
Com a falta de gasolina do dia anterior, decidi ir mais devagar, para não me acontecer o mesmo.
Entrando no Parque Nacional de Montesinho, depois de uns quilómetros na N103 até à Pedra Bolideira e, depois, em estradas municipais até São Vicente começou um sobe e desce por um manto rosa e amarelo, da alfazema e das maias, misturado com o vede escuro da urze e o cinza granítico. É, efectivamente, o Portugal profundo, raiano, terra de contrabando por entre fragas, penedos e riachos, com Espanha sempre ali ao lado.
Uma placa ferrugenta indicava Cisterna e Espanha. Primeiro fui a Cisterna e depois dei o salto.
Cisterna são duas encostas de um monte com um riacho no vale e a igreja ali ao lado. As casas de pedra bruta têm memórias; certamente nada mais porque a aldeia estava deserta, Fiquei ali largos minutos a contemplar aquilo que parecia ser um cenário de um western da Cinecittá. Ninguém apareceu.
Ao sair da aldeia, por uma estrada estreita, apanhei gravilha e a roda da frente vacilou. Vi todo o filme de eu a cair estatelado de costas no chão, a 70 km/h. A moto segurou-se, eu segurei-me à moto com o punho enrolado no acelerador e tudo aquilo não passou de um valente susto.
Do lado de la da fronteira, além das estradas serem piores com mato a entrar pelas bermas e uma placa com Portugal riscado a azul, nada a registar.
Continuei cantarolando coisas dos Rio Grande, sobre o sonho ser mais bonito para lá do Guadiana.
Cruzando o Rio Rabaçal, seguiram-se Pinheiro Novo, Pinheiro Velho, Seixas, Vilarinho das Touças, Cerdedo, Casares, Miomenta, Mofreita, Parânio, até França. Num adestas aldeias parei a moto e desci para tirar um foto a um rebanho. Ainda de capacete na cabeça, senti algo a tocar-me: era o piloto a pedir festas, empoleirado com as patas da frente na minha barriga. Fiz… e ele não largou mais. E estive ali, a brincar com o cão, com as ovelhas e o pastor à nossa volta.
Chegado a França, tirei a foto da praxe e segui rumo ao Lago de Sanábria, por uma estrada vertiginosamente linda, que já tinha percorridonoutras aventuras. Cruzei Puebla de Sanabria e fui directo aos lagos de montanha.
Lunch with a view: numa esplanada, em cima da areia, de frente para um lago enorme, rodeados por montanhas que apresentavam montinhos de neve topo. Lindo!
Continuei a subir até ao Lago dos Peces, onde caminhei pelo meio da urze, das vaca, dos cavalos selvagens. Dei a volta ao lago, fotografei, sentei-me a mirar a obra de um grande arquitecto.
Quando era fim do dia, desci para Puebla: uma vila com vestígios da idade média, defensiva com o seu castelo altaneiro. Decidi pernoitar lá, o que se revelou um erro. Porquê?! Hostal Tribal: risquem do mapa.





segunda-feira, 6 de maio de 2019

1.5.19 - Fafe | Vieira do Minho | S.Bento Porta Aberta | Soajo | Cascata do Arado | Venda Nova | Chaves

Como nas refeições preparadas pelos grandes chefes, há sempre um prato principal. As entradas e a sobremesa, assim como os vinhos e os tira-sabores, são complementos que tornam as criações divinais porque o olfato e o palato está absorvido e predisposto a ter uma experiência.


Com três dias de viagem pela frente, preparei dois pratos principais - Gerês e Montesinho -, aos quais juntei tudo o resto, digno de figurar num qualquer guia com Estrela Michelin.

Fafe foi o local onde disse adeus à autoestrada e iniciei o “Road to National Parks”.
Queimadela, Várzea Cova, Gontim, Aboim, passar em estradas de asfalto que cruzam a terra e onde sei que se salta, que se atalha, por 1001 incursões pelas terras da gente dos ralis; descer para Vieira do Minho, pelo Ermal, ver o Rio Ave como um fiozinho de água límpida que se perde na montanha e transformar-se, como um super-herói, numa massa enorme de água, local de recreio de milhares de pessoas nos dias quentes de verão.

Tudo a grande velocidade, com os Creedence a ecoarem na minha memória e fazendo-me cantarolar enquanto me divirto a subir e descer, acelerar e trocar de caixa a ouvir o ruído metálico, como se de um punção se tratasse; a reduzir e a ouvir os ratéres tão característico.
Cheguei a Vieira do Minho e, certamente, tinha um sorriso nos lábios: estava de volta às viagens, ao prazer de conduzir uma big trail até ao sol se pôr, por aí algures. De acelerar, de ir  com o joelho quase ao chão nas curvas mais apertadas, num carrocel entre a floresta típica portuguesa e os rios e o abismo.
Descer até às pontes do Cávado e subir a São Bento da Porta Aberta: o local de paragem nas viagens da escola, onde se compravam bugigangas - que não interessavam a ninguém - mas que eram o motivo do nosso orgulho de criança ao oferecer um galo de Barcelos que mudava a cor conforme a humidade, à mãe. Ou um corta-unhas com a imagem dos espigueiros do Soajo; ou sei lá mais o quê, na ínfima cultura popular de objectos de uso diário.


Por falar em Soajo, o destino seguinte seria esse. Para lá chegar, curva-contra-curva até ao que foi Vilarinho da Furna e, depois, Germil.
Em Vilarinho da Furna tive o momento 007 da viagem, ao descer por uma estrada de terra até à base do muro da barragem e ficar por baixo da turbina, com a água a sair a grande pressão mesmo por cima de mim. Tentei, por várias vezes, fazer poses para tirar uma fotografia de efeito minimamente interessante, com a perpectiva do jorro de água. Fiquei pelos mínimos!
Chegado ao Soajo, com os majestosos espigueiros que se erguem para o céu, o estômago ergueu-se igualmente e clamou por atenção. De nada lhe serviu porque os poucos restaurantes estavam a abarrotar.
Meia volta e fui até ao Lindoso onde, no Dia do Trabalhador, apenas um restaurante manhoso com diárias a condizer me serviu um bife de frango grelhado com batatas encharcadas em óleo. Ao jantar vingo-me, pensei. E assim o fiz! Mas já la vamos.
Queria ir à Cascata do Arada e o melhor caminho era dar o salto para Espanha e voltar a entrar pela Portela do Homem.
Pelo meio do trânsito infernal de turistas em dia de feriado a aproveitar o bom tempo, cavalos selvagens e manadas de vacas e bois mostravam os seus mais variados dotes, dando um ar ainda mais pitoresco a toda a cena. Nas cascatas que embelezam a serra, pessoas de todas as idades divertem-se como se estivéssemos em pleno verão, mostrando os seus corpos ainda brancos à espera que uma qualquer cor se pegue aos pigmentos.

Por estradas municipais e caminhos de cabras, fui a Fafião, Cabril e subi até à barragem de Paradela. Com tamanha emoção, esqueci-me que a moto também necessita de alimento e, de lá do alto da Barragem da Paradela até à Venda Nova, tal como se vê no mapa, foi colocar a mão na embraiagem e vir a lanço, Portugal abaixo, para conseguir meter gasolina.
Era final do dia e Chaves estava ali, depois da N103, cheia de encanto.
Realizei a última parte da viagem a cantar, a curtir, a tirar verdadeiro prazer de condução da moto. Foi assim o dia todo!
Cheguei a Chaves e ergui o punho no ar, como se tivesse ganho alguma coisa.
A primeira etapa estava terminada e, ao jantar, ao acompanhar uma cabidela, o encontro com amigos das corridas e das viagens. O mundo é uma ervilha!


quarta-feira, 27 de março de 2019

22.3.19 |24 .3.19 - Rigi | Stoos | Titlis

Quando o frio é cristalino, o céu torna-se muito azul e a neve reflecte os raios de sol, sorrio; lembro-me da minha juventude, de todas as aventuras e desventuras por essas montanhas fora e desejo deslizar a alta velocidade em parabólicas tangenciais.
Uma skitrip, uma escapadinha de três dias, organizada pela Agência Paraíso, teve como destino a Suíça: além de ser um país que adoro, é o paraíso europeu para os amantes de desportos de neve.
A base de toda a operação foi a estância termal de Baden, em Zurich, o que me colocava a pouco mais de meia hora das estâncias em torno do Lago de Lucerna, ou Lago dos 4 Cantões. O Toyota Rav4 foi o bolide das viagens e, durante 400 km, devido ao sistema hibrido, não vi o ponteiro da gasolina baixar; e nem por isso deixe de andar rápido e me divertir no carrocel alpino!
Rigi, Stoos e Titlis, os pontos altos da viagem – literalmente! Uma mistura de estancias fancy, excelentes acessibilidades e neve no seu estado mais puro.

Rigi parere tirado de um filme dos anos 60 da cinecittá: um monte com floreste e o lago ao lado, casinhas que o telhado assume uma cobertura branca como se de um bolo se tratasse. Para se chegar ao topo da estância, uma grande cabine ou o comboio que sobe lentamente pela paisagem idílica. Usei os dois!
Senti-me o Ralph Fiennes em The Grand Budapest Hotel. Foi um retorno ao passado, cristalizado pela neve.
Uma estância indicada para férias em família, onde o nível de ski não é muito exigente e as diversões e as paisagens são muitas.
Stoos foi a estância!

Para se lá chegar usa-se um misto de cabine/ comboio/ elevador que sobe case na vertical, num túnel escavado na rocha e que, aos poucos e poucos, vai desvendando um paraíso natural de pistas rápidas – só vermelhas e pretas -, em duas vertentes da montanha.
Para animar a coisa, estava a decorrer uma prova do campeonato nacional suíço de ski alpino e as estrelas e as promessas olímpicas, andavam por lá.
A estância era pequena para tantos egos e eu bati-me afincadamente por tentar impressionar. E impressionei! A mim mesmo: eles andam mais depressa as curvas do que eu a direito; um treinador, carregado de botas e skis às costas ultrapassou-me como uma bala. Parei e fiquei a ver a prova. A observar, a aprender.

Durante três dias só caí duas vez es e foram aqui: uma porque ia depressa demais e travei tarde em cima de uma lomba, saindo projectado de lado, montanha a baixo. Outra por que estava cansado e, mesmo devagar, as pernas já não queriam colaborar.
Na queda a sério, com a inércia, levantei-me logo apesar de ter zurrado no chão com o cotovelo e o ombro. Foi o Alpinestars que me deu todo esse conforto! A tecnologia das motos usada no ski tem essa vantagem: um casaco quente, leve, com protecções nas costas, ombros e cotovelos. E giro!!
No fim do dia, umas cervejas com os campeões e a natural troca de estórias entre os desportos de neve e as corridas de automóveis.

Para último lugar ficou Titlis: glaciar a mais de 3.000 metros de altitude, com a sua torre metálica, joia da coroa da Suiça central, ponto turístico de “visita à neve”: eram às centenas os indianos e chineses, vestidos com a calça da moda e o sapatinho de pele, sem meia, alguns de gravata posta e encasacados com tudo o que compraram nas lojas mais in de Zurich, Luzern e afins, a subirem na cabine redonda panorâmica, pintada de vermelho e com a cruz branca, de selfie stick em punho, para verem a neve.

Ao chegarem, o atrito entre a sola de couro e a superfície gelada provocava, a maior parte das vezes, tombo certo. Certamente mais uma recordação para levarem para a longínqua casa.
As pistas, apesar de vermelhas e pretas, não eram tão desafiantes como as do dia anterior e o sol primaveril convidava a tirar a roupa e a aproveitar os raios luminosos.
Depois de conhecer praticamente todas as pistas da estância, foi tempo de um rüsti e cerveja. Muita cerveja e estórias de vinte anos de ski: as pessoas, os tombos, vidas de quem cresceu com o gosto pelo frio e pela velocidade.

Relembrar a melhor queda, a melhor estância com visibilidade zero, os saltos, viagens a cruzar o centro de Espanha que pareciam eternas, entrar nas discotecas com o camelback por baixo da camisa e atestado de vodka laranja; o manto estrelado sobre as montanhas e a paz de espírito.
Um hino à amizade!