
Era esse o sentimento partilhado na manhã do dia da liberdade.
Cedo, com as moto abastecidas, foi com grande velocidade que cruzamos o ultimo pedacinho do Atlas que nos separava do Sahara.
Com o atraso de ontem, era necessário poupar tempo para entrar na pista o mais cedo possível a fim de se evitar algum percalço.

Depois do palmeiral - uma imensidão verde, de palmeiras, que sobressai do cada vez mais amarelo da areia - Zagora aparecia como marco obrigatório para início do troço que liga a Merzouga e que outrora foi palco de disputas entre Yamaha, KTM, Honda, Peugeot, Mitsubishi, e todos os grandes nomes que fazem do Dakar aquilo que ele é.

Liguei à minha mãe; motos abastecidas, água com fartura e siga para a pista. Passava do meio dia, talvez um pouco tarde...
Antes da pista uma cáfila passeava calmamente, como se o calor tórrido não penetrasse pelo pêlo e pele do dromedário.

Um início cauteloso depressa se transformou num andamento vivo entre piso que se alterava. Nas primeiras aparições de areia a moto tremia como varas verdes mas saíndo do trilho e percorrendo a arreia com pequenas pedras pretas, a tracção era outra e rolava-se bem.
Nesta fase, o primeiro contratempo: uma das malas do Pedro voou da moto. A imagem na câmera ficou top!!
Na busca de uma sombra para almoço cruzamo-nos com duas crianças. Deveriam ter 3 ou 4 anos, com olhar triste e vago. Oferecemos água e uma lata de bacalhau com grão da Liporfir. Será que o deveríamos ter feito? Será que a água nos iria faltar?

Forças restabelecidas e foi altura de enfrentar a segunda parte da pista. Seriam 14.30 e queríamos chegar a Merzouga ainda de dia.
Logo após a paragem, ainda com terra dura, numa lomba pensei que estava com o Yamaha do CNTT e saltei: a moto aterrou de frente e a suspensão deveria ter ficado logo ali. Por sorte conseguiu dominar a coisa e foi daqueles sustos valentes, ao estilo das imagens aéreas da mítica prova africana.
Pouco depois a areia começa a ganhar na percentagem com a terra e as opções de traçado sucedem-se, tal como as quedas. Umas melhores e outras piores.

Todos fomos ao chão e eu, numa dessas idas ao chão, fiquei com a o joelho e a perna presos na mala lateral, torcidos. Aguardei que o Pedro me viesse ajudar e quando saí debaixo da moto e fiquei deitado na areia a olhar o céu, lembrei-me do Meoni: do seu sorriso, do seu amor amor à aventura. Queria chorar mas já não tinha como. O meu Alpinestars estava branco por fora dado o sal da transpiração. E ainda faltavam uns 70 km até ao alcatrão.
A pista do Dakar colocou-nos à prova e ganhou: o desânimo foi grande, as máquinas cederam: a África Twin do Pedro furou e a minha embraiagem vidrou no fésfés. Foi a desistência.
Zaid, com Z como Zeus, foi quem nos salvou dali, no seu Toyota cheio de melancias. Por mais interesseiro que fosse o seu auxílio, foi ele que arranjou transporte para a minha moto e nos levou até ao Erg Uzina para descansarmos até ao dia seguinte.
Já no 4x4 vi paisagens lindíssimas que não estava a disfrutar dada a tensão da situação.
Pouco falamos disso mas com o olhar todos adivinhamos o que ia na cabeça de cada um.
Sem rede não havia forma de dizer "está tudo bem" nem a possibilidade de ouvir uma voz reconfortante, que nos transporta até casa.
Jantamos uma tajine tendo as estrelas como tecto, recuperando a paz e o amor pela aventura.
Pela noite voltamos com outro jipe à pista para ir buscar a moto e o irmão de Zaid que ficou lá a guardá-la.
Quero voltar ali. Com outras condições mas quero voltar.
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