quarta-feira, 17 de agosto de 2016

16.8.16 - Sanxenxo | Carreiro | Illa de Arousa | Corrubedo | Muros | Corcubion | Fisterra | Touriñan | Camarinas | Laxe

Quando era adolescente, numa altura onde se formam os nossos valores morais e intelectuais, comecei a ler um livro editado pela Assírio & Alvim que se chama "Hipérion ou O Eremita na Grécia" (1797), de Friedrich Hölderlin (1770 - 1843).
Não o li todo porque a sua escrita poética, germânica tornou-se, a determinada altura, imperceptível para mim. 
No entanto lembro-me das cartas que Hiperion mandava ao seu amigo Belarmino a falar da Grécia: da sua beleza, tranquilidade e liberdade.
O dia de hoje foi assim: visitando locais de uma beleza indescritível, que transmitem uma sensação enorme de paz interior e, quando se viaja de moto, de liberdade e de compromisso.
Apesar de estar em Laxe cansadíssimo após mais 12 horas a andar de moto, algumas vezes perdido, com frio; apesar de não ter conseguido chegar à Corunha; estou felicíssimo. 
Vamos ao relato da viagem!
Sanxenxo acordou cinzenta e a chuva ameaçava aparecer. Apesar disso ainda vesti as calças de ganga e o casaco de verão da Alpinestars. E como disse anteriormente, não quero tirar o resto do saco.
Depois de uma rápida ida ao Lidl para comprar mantimentos para o pequeno almoço e água e sumo para a viagem, segui até à Punta de San Vicenza, à praia de Carreiro, para ver o primeiro farol do dia.
Do lado oposto a O Grove, na mesma península, é necessário fazer uma estrada em terra batida para se ir desembocar numa praia deserta.
Tão deserta que, ao caminhar pela areia, entre as rochas e as águas calmas, junto a uma florestação rasteira, duas lebres ainda bebés corriam à minha frente. 
Ao fundo, numa ilha feita de rochas, um pequeno farol apareceu entre o nevoeiro; ao perto, como se de um altar se tratasse, em plena praia, pequenos montes de pedras encasteladas em cima umas das outras pareciam como figuras humanas.
Daí segui para a Illa de Arousa, sem antes me perder e ter que fazer mais quilómetros, para, na praia do Farol, ver mais um farol, erguido numa pequena casa. ali ao lado, na Ria de Arousa, a faina: dezenas de barcos e mexilhoreios, numa azáfama de quem vive da ria.
Num dos mapas que tenho havia a indicação que em Carril existiria um farol. Fui até lá e não o vi. Pelo caminho, o susto da viagem: em Vilagarcia, apesar de ser quase meio-dia, havia uma festa que deve ter começado no dia anterior: miúdos, aos milhares, completamente ressacados, musica tecno no meio da vila, gente a urinar e a vomitar na via pública, "I will survive" e lantejoulas e flores no cabelo no outro lado e, num para arranca constante, quando acelero, um miúdo com uma camisola da NBA salta para a frente da moto. Travei e a roda da frente escorregou; não fui ao chão mas estava a ver que ele ia ficar preso entre as malas e um carro. Felizmente não aconteceu nada e fiquei com a sensação que se fosse o TGV a passar, para ele seria a mesma coisa: talvez uma bolha de sabão gigante, ou um gafanhoto verde aos saltos! Prossegui viagem a falar da mãe do rapaz.
Acham as Rias Baixas, na zona de Vigo e Pontevedra, bonitas? De facto são. Mas depois de Vilagarcia e fazendo a costa, começa a "Liga dos Campeões": paisagens lindas, intocáveis, com pontes de madeira e gado a pastar por campos verdejantes, entre o atlântico e as montanhas.
Chegar ao Cabo Corrubedo, pela imensidão da paisagem, pela paz que se respira, é como chegar ao paraíso. 
Depois dos vilarejos uma recta leva-nos ao Cabo, de onde, ao longe por entre as lombas, começamos a ver o topo do farol. Do lado esquerdo, num azul caraíbas, a praia dos Baleeiros.
No Cabo Corrubedo sentimos que quem arquitectou o mundo sabia o que fazia: praias lindíssimas, vê-se Muros e Fisterra, lá ao longe.E tudo numa tranquilidade e serenitude impressionantes.
Abandonem-me aqui uma semana e serei um homem novo, pensei!
No meio de tudo aquilo, na recta que liga ao farol, vejo aproximar-se um camião TIR, laranja, a combinar com o meu casaco e os binóculos. Será?! Mandei parar.
- O senhor é de Oliveira de Azeméis.
- Sou sim.
- Eu também sou.
- Da cá um abraço.
E um resto de conversa em que já me tratava por menino. 
Deixei Corrubedo para trás e segui para Noia ( sim pai, finalmente vim a Noia!) para depois continuar até Muros.
Entre o verde da montanha e o azul do mar, respira-se paz. São cenários de TV que passam a minha frente, naquela sensação do Homer Simpson a chegar ao Alasca. São praias de areia branquíssima e dunas enormes. São estradas como o Turini, num zigue zague constante onde o som do motor ecoa pela montanha. Vale a pena vir até aqui, se vale.
Na zona de Muros existem três faróis: Campo de Cortes, Louro e Lariño. o primeiro fica em cima da estrada, como se de uma casa se tratasse e mal se vê.
Louro é paradisíaco e Lariño fica no meio da praia, meio ao abandono, onde se leêm inscrições como " salvem o faro".
Por falar em inscrições, elas existem em todo o lado, pintadas nas ruas e nos muros, com palavras de ordem contra as palavras de ordem unificadoras. Eu acrescento: Galiza para Portugal: já.

Nesta parte da viagem, dada tamanha beleza, pensei várias vezes: descobri uma nova Suíça e muito mais perto de casa: um local onde a floresta beija a água, onde se vêm pinheiros e outras árvores a crescerem com grandiosidade e o seu reflexo faz-se sentir na calma do oceano.
Cheguei a Corcubion e armei-me em Roças: parei a moto numa taberna, levei uma lata de conserva com bacalhau com grão, da Liporfir, e perguntei ao tasqueiro se podia comprar cerveja e pão e eu comia o que tinha. Disse-me que não, que isso iria abrir precedentes com outros clientes. Compreendi. Eram quatro da tarde e num restaurante com vinte mesas estavam três ocupadas. Perguntei, então, o que é que ele tinha para me servir rápido, porque estava com pressa; a resposta foi que não tinha nada a sair porque tinha muitas mesas para atender. E assim pude comer calmamente a delicia vinda de Aveiro.
Depois de almoço, poucos quilómetros me ligavam a um dos pontos altos da viagem: Fisterra.
Que desilusão!
Se tudo o resto é calma e tranquilidade, Fisterra é uma excursão a Fátima ou uma ida à Luz num domingo à tarde. São milhares de pessoas, uma barulheira sem fim, com excursões e famílias inteiras a irem visitar o local de partida de Santiago.
Pensava que ia estrear a minha cadeira em Fisterra. Se o fizesse, estou a ver que teria como companhia alguém com guarda-sol e outros de campingaz e daqui a pouco estava tudo o mundo de jola na mão a discutir futebol como Jorge Jesus ou a últimas da Cristina e do Goucha.
Isso e com o frio que estava, cortou um pouco o dia.
Rapidamente saí de lá e rumei a Touriñan e a mais um farol digno de filme.
Esta é a Costa da Morte, desde Fisterra a Laxe, onde estão contabilizados mais de 1200 naufrágios. Se não fossem os faróis, muitos mais seriam. 
De Touriñan vê-se Cabo Vilan, em Camarinas. Mas o caminho até lá são quase quarenta quilómetros num sobe e desce entre campos de milho e vacas a pastar.
Cabo Vilan é "o farol". Está no topo de um monte, e a sua robustez deve-se sentir até Plymouth.
Laxe foi o último do dia: chegado a Laxe, passa-se por uma rua que faz um túnel por baixo de um restaurante e sobe-se. Lá no alto,  desce-se até ao mar onde um farol branco marca a Costa da Morte.
Procurei um hostal e o único que há é o Bahia.
Quando contei ao dono o que estava a fazer apresentou-se como autor de um site sobre a rota dos faróis e de um livro, o qual mo ofereceu. Além disso, não paguei o parque da moto. Excelente!








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